Thursday, September 27, 2007

Entrevista Spoiled Fiction

BOÉMIA, É O CAMINHO

De espírito aventureiro sempre se caracterizaram as gentes dos Açores. Em busca de uma vida melhor muitos deixaram, como conta a história, a sua terra natal e ainda hoje em dia isso se verifica, talvez já nem tanto por imposição económica ou social, mas por opção profissional. No caso dos fundadores dos Spoiled Fiction a missão era curricular o que acabou, juntamente com o ávido prazer em fazer música, por derivar na formação da banda. O grupo constituído pelos açorianos Tiago Câmara e André Tavares, nas guitarras, e pelos continentais “Pica”, na voz, “Bixo”, no baixo, e Isidro Paixão – embora este último tenha vivido vários anos na ilha de S. Miguel –, na bateria, representa uma curiosa e interessante comunhão de percursos e experiências, no entanto, unidas no amor pela música. Ex-Hemptylogic, First Commandment, Nableena e actuais Seven Stitches reúnem-se hoje num novo projecto que impressiona pela sua coesão musical e pelo espírito saudável e despretensioso com que aborda a sua existência. Assumindo que estão aqui essencialmente para “fazer abanar a cabeça", sem preocupações com inovações, os Spoiled Fiction e o seu thrash moderno são, com certeza, suficientemente apelativos para deixar-nos antever bons frutos num futuro próximo. Menos de um ano reunidos e o colectivo apresenta já uma demo – “Way To Live” – que lhes tem valido muito boas reacções. Por este motivo contactámos Tiago Câmara que em conjunto com seus comparsas são mais um motivo de orgulho, não só para os açorianos, mas para toda a nata metaleira nacional.


Os Spoiled Fiction são quase como que uma banda “multi-racial”, passe o exagero! [risos] Muitas realidades diferentes se lhes cruzam, mas as raízes são comuns. Como é rever, em alguns casos, pessoas que lhe são familiares e outras que entram agora na sua vida, como é o caso do “Pica” e do “Bixo”?
O que parecia difícil tornou-se fácil. A verdade é que conheci dois “alcoólicos anónimos” e que, por acaso, até tocam bem. Perfeito! [risos]

A ideia de criar os Spoiled Fiction surge com o término de actividades dos Hemptylogic e com a vontade sua e do Isidro Paixão em lançarem-se num novo projecto, não é assim?
Pode-se dizer que sim, embora o Isidro tenha aparecido depois. Como é óbvio, quando ele foi para o Brasil, mantivemos o contacto. Assim que achei a altura certa para iniciar esse projecto falei com ele. Ele quis entrar nisso comigo e ficou logo tudo agendado para Fevereiro de 2007, altura em que ele regressou. De referir que Spoiled Fiction não é nenhuma espécie de “continuação” de Hemptylogic. Cheguei a ter uma banda aqui em Lisboa, entretanto, mas que não deu certo.

Portanto, a ideia de criar a banda só se materializou muito recentemente pelo facto de se encontrarem afastados e de precisarem ainda de concluir o line-up...
O tempo que o Isidro esteve no Brasil serviu precisamente para orientarmos o line-up restante. O line-up até se definiu rápido mas só depois do Isidro chegar é que nos conhecemos todos pessoalmente, em Fevereiro de 2007, já depois de estar o tema “The Time” gravado e online! [risos]

Foi caricato, em algum momento, sustentar a ideia de criar os Spoiled Fiction com os seus membros fundadores a conviverem à distância ?
Nem por isso… Acho que essa é uma boa forma para começar bandas. Evita cenas como metermos amigos a tocar connosco que, às vezes, não estão à altura do resto da banda. A minha primeira prioridade foi a experiência do músico e depois então conhecer o pessoal. Se não nos déssemos bem, começaríamos tudo de novo.

Tanto quanto sei deslocou-se das ilhas para o continente para frequentar um curso. Praticamente ao mesmo tempo André Tavares [guitarrista] deixou os Açores com a mesma finalidade. Como fermentou a ideia de criar a banda entre mais este açoriano? Vivem perto, costumavam reunir-se?

Na banda que cheguei a ter aqui no continente o André tocava baixo. Tanto eu como o Isidro já conhecíamos o André e sabíamos das suas grandes qualidades como músico. Foi uma opção que acabou por ser óbvia. Não vivemos assim tão perto mas nada que um carro não resolva. Claro que nos encontramos frequentemente assim que a sede aperta e a Sagres chama-nos! [risos]

A forma como conheceram “Pica” e “Bixo” é a maior curiosidade...
O André já os conhecia, pois costuma fazer som para a outra banda deles - Seven Stitches - e estudou com o “Pica”. Eu conheci-os sem saber que conheciam o André e comecei a falar com eles via Messenger, onde tudo se tratou. Eu e o André chegámos a ir ver um concerto dos Seven Stitches para os conhecermos melhor, mas quando acabou o concerto já íamos com uma bebedeira tão grande que acabou por não valer de muito. (risos)

Após ter deixado os Açores como músico e passar a experienciar um mundo maior e mais competitivo como o do continente, que conclusões tira sobre o funcionamento destas duas realidades? Há muito equívoco nos músicos açorianos ou não?
Não há equívoco nos músicos açorianos. Existem muitos e bons músicos nos Açores mas realmente acaba por ser um meio pequeno e difícil de conseguir concertos com as despesas pagas no continente. Pagar uma passagem de avião sai muito mais caro do que pagar uns quilómetros de gasolina. Esse será sempre um problema para qualquer banda sediada nos Açores, tentar expandir os seus concertos. Falando um pouco das duas realidades, acho que aí é muito habitual os organizadores dos eventos não perceberem nada do assunto e não terem o mínimo de respeito pelos músicos, pensando que lhes estão a fazer um favor. Aqui não se vê muito isso. Muitos dos organizadores têm uma banda e estão dentro do meio, daí que acabes por ser sempre bem tratado. Cá também há muitos bares com condições específicas que promovem esse tipo de eventos. A grande diferença é essa, se te mexeres cá para arranjar contactos e arriscares uma qualquer coisa, consegues alguns concertos. Em S. Miguel, mesmo que te mexas, muitas vezes não arranjas nada compensador. Esse é um tema que daria muitas horas de conversa…

Apesar da espera para consolidarem o vosso line-up, os Spoiled Fiction conseguiram projectar-se rapidamente em poucos meses, mais concretamente a partir do momento em que lançaram o tema “The Time” no seu Myspace. Qual foi segredo para esta bem conseguida manobra de promoção?
As coisas foram-se construindo naturalmente. À medida que foram entrando os presumíveis membros para a banda, todos eles mostraram imensa vontade e começámos a trocar esboços do que viria a ser o tema “The Time”. Íamos conversando regularmente e ajeitando alguns pormenores até que chegou a um ponto em que todos nós concordámos que estava pronto a gravar e mostrar. Gravar a música foi um processo engraçado, pois cada um gravou as suas partes em casa (dois em Grândola, dois em Lisboa e um no Brasil) e enviámos para o André que ficou encarregue de fazer todo o resto. Todos gostámos muito do resultado e não hesitámos em o meter online. Começámos a receber boas críticas e foram aparecendo vários convites entre os quais para tocar e conhecer algumas das bandas com relevância no underground nacional. Actualmente, temos boas amizades com pessoas dos Pitch Black, W.A.K.O., Switchtense, entre outras. É sempre agradável partilhar um palco e depois passar uma boa noitada!

Para além disso, o denominador mais evidente deste dinâmico processo é o lançamento prematuro, se assim lhe podemos chamar, da vossa primeira demo. O que apressou o lançamento deste registo foi a necessidade premente de sair do anonimato ou também as boas reacções aos vossos temas expostos no Myspace fizeram apressar tudo?
Aqui no continente se quiseres arranjar concertos tens de ter algo para mostrar. As boas críticas foram importantes, mas também o facto de termos facilidade na gravação “caseira” foi decisivo. Basicamente, foram essas as três razões principais que nos fizeram gravar a demo, isso depois de achármos que tínhamos um line-up consistente.

Sendo o André Tavares engenheiro profissional de som e músico na banda terá feito com que sentissem muito mais liberdade ao trabalhar em estúdio e a encontrar o som apropriado para esta?
Sim, realmente estamos bem “equipados”. Não só o André mas também o Isidro e o “Pica” tiraram cursos de som. Eu estou a acabar um curso virado para a imagem e audiovisual e tenho assumido um pouco as funções de relações públicas. O “Bixo”, para além de ser um grande músico, conhece bastante o meio e vem trabalhando na área da organização de eventos, assim como o “Pica”. Em relação ao som, ficámos muito satisfeitos! Sentimos que, nas condições em que gravámos, este era, provavelmente, o melhor som possível de se fazer!

Pegando nas minhas últimas perguntas e atendendo à imediaticidade do vosso reconhecimento, podemos apurar comparações e dizer que, de facto, conseguir o que estão conseguindo em tão pouco tempo seria impensável nos Açores... Aliás, vários anos de Hemptylogic, creio que concordará comigo, não chegaram para lhe fazer atingir feitos como os que está a alcançar com os Spoiled Fiction... Isto dá-lhe que pensar? Preocupa-se de alguma forma com a sua terra natal?
Não penso muito nisso. Como já atrás referiu as realidades de Hemptylogic e Spoiled Fiction são bastante diferentes. Realmente preocupa-me um pouco a falta de iniciativas relacionadas com o Metal em S. Miguel. Acho que muitas pessoas desistem ou, como no meu caso, acabam por sair da ilha em busca desse objectivo. Mas hoje em dia e com os avanços da internet fica muito mais fácil a divulgação da tua musica. Há que não desistir e tentar organizar eventos do género, na falta deles. Tenho esperança que vá começar a aparecer mais eventos no futuro. Mnemic no Coliseu foi um grande feito e há de ser o início de muitos mais.

Apesar deste cenário, uma das grandes vontades dos Spoiled Fiction creio ser a de actuar nos Açores! Têm promovido o vosso trabalho por cá... Acha que tem sido bem recebido e que um concerto neste momento em S. Miguel, por exemplo, vem em boa altura?
Sem dúvida! Já tivemos oportunidade de tocar em Grândola [terra do “Bixo” e do “Pica”] agora falta Vila Real de Santo António [terra do Isidro] e S. Miguel! Temos promovido nos Açores o nosso trabalho e as reacções têm sido muito positivas. Pessoalmente, assim como o André e o Isidro, tenho muitos amigos em S. Miguel e seria um prazer enorme poder mostrar o nosso trabalho e depois passar uma noite bem agradável com o pessoal! Acho que Spoiled Fiction em S. Miguel seria sempre em boa altura! [risos]

Como definirias o som dos Spoiled Fiction e o que encontramos em “Way To Live”? Transmite também algum lema ao que parece...
“Way To Live” é uma espécie de celebração da vida. Somos pessoas simples e positivas, não encaramos o nosso Metal como uma exposição da nossa raiva, mas sim como uma festa para abanar a cabeça. Tratamos também dos “baixos” da vida, mas sempre como algo que faz parte dela. É aproveitar a vida enquanto podemos. Viva o Metal!

Neste momento será prioritário operar uma boa distribuição da vossa demo e isto passará, naturalmente, por um contracto como uma editora ou contractos de distribuição. Há alguma coisa adiantada neste sentido?
Sim, de momento ainda estamos a organizar uma vasta lista de contactos [editoras, revistas, sites, rádios, etc) muito devido à nossa recente ligação à PJ – Prods & Management. Ainda esse mês, esperamos estar a enviar os exemplares aos respectivos contactos e vamos ver o que acontece.

Após isso, e havendo facilidades de gravar com o André Tavares, podemos supor que não será preciso muito tempo para voltar a ver uma gravação dos Spoiled Fiction?
Não é bem assim. Não queremos ser precipitados. Estamos agora concentrados em compor um futuro álbum. A realidade é que quando chegar ao momento de gravá-lo queremos mesmo ir para estúdio. Continuamos a fazer gravações caseiras que agora vão servindo de esboços para alguns arranjos. Talvez gravar alguns temas para saírem em compilações sim, mas a próxima gravação que sairá de Spoiled Fiction será gravada em estúdio e esperamos apresentar uma qualidade sonora acima da média. Tem que estar muito bom para podermos continuar em crescimento e não nos ficarmos por aqui.

Futuramente, existe o risco dos elementos dos Spoiled Fiction se separarem novamente? No seu caso, equaciona um regresso aos Açores após terminar os seus compromissos curriculares?
Eu, por acaso, ainda não falei com o André acerca disso, mas julgo que, por enquanto, um regresso aos Açores está fora de questão. No meu caso está. Tanto na minha área profissional como como músico deste estilo, não considero que os Açores sejam a melhor opção. De qualquer forma, só o futuro o dirá, mas Spoiled Fiction já provou que é capaz de trabalhar à distância! [risos]

E relativamente aos Hemptylogic, podemos algum dia esperar que se reunam, eventualmente, para alguns concertos apenas, uma vez que na altura em que se separaram deram apenas como “congelada”, por tempo indeterminado, as suas actividades?
Hemptylogic é uma banda extinta já há algum tempo. Ás vezes ainda dou uns toques com o Isidro e o resultado está longe de estar apresentável em concerto. Hemptylogic foi a minha primeiro banda e foi o que me fez querer viver disto, mas agora acabou. Tenho de estar 100% concentrado nos Spoiled Fiction e na minha vida profissional.

Nuno Costa

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