Tuesday, July 10, 2007

Especial Alta Tensão - Entrevista Anomally

ANOMALIA NO SISTEMA

Num cenário reconhecidamente dominado pelas sonoridades rock e punk, a ilha Terceira, nos Açores, fez germinar, em 2005, um novo projecto absorto numa ideologia heavy e negra como não se via desde os tempos dos Gods Sin. São eles os Anomally, um projecto alicerçado numa amizade de longa data entre Miguel Aguiar e Tiago Alves que há dois anos o colocaram, finalmente, em prática, ainda que seguindo uma linha musical muito distante da actual – o metal de natureza electrónica. Hoje em dia impuseram-se no cenário metaleiro terceirense com o poder de um death/thrash/goth com melodias, em certos momentos, modernas e que se tem revelado suficientemente sólido e incisivo para reunir de novo o público local em volta do metal. A demo caseira que lançaram em 2006 e os concertos convicentes que têm dado serviram para despertar o interesse sobre o seu trabalho também por outras paragens. Certamente por este motivo, o sexteto vai estrear-se em S. Miguel, já no próximo dia 20 de Julho, no primeiro acto do festival Alta Tensão, no Coliseu Micaelense, em Ponta Delgada. Esta e outras razões serviram de divisa para uma conversa com o teclista Miguel Aguiar.

Formar os Anomally foi um processo algo faseado. Para além de terem indo acrescentando músicos aos poucos experimentaram também outras vertentes musicais até chegarem à que os Anomally explanam hoje em dia. Por exemplo, a fusão de metal com música electrónica...
A meu ver foi uma fase um tanto ou quanto experimental. Estávamos a começar a dar os primeiros passos como banda e ainda não tínhamos propriamente certeza daquilo que pretendíamos.

A saída de Jerry Rocha [programador] deu-se, sobretudo, porque a banda decidiu abandonar este estilo musical?
A saída de Jerry foi algo que acabou por ser inevitável. As razões só ele as sabe pois deixou de aparecer nos ensaios sem dar qualquer razão. No entanto, creio que mesmo que isso não tivesse acontecido naturalmente ia acabar por acontecer mais cedo ou mais tarde, pois a altura em que ele saiu da banda coincidiu com a entrada do nosso baterista e, consequentemente, com a alteração de estilo musical deixando assim de haver necessidade de recorrer à bateria electrónica.

Explica-me melhor como se dá a entrada do baterista José Pires [ex-Gods Sin, ex-4Saken] e do guitarrista Marco Lote [ex-Absinto, ex-Next] na vossa formação?
A entrada de José Pires [a.k.a. Zefa] nos Anomally deu-se por intermédio de uma amiga dele que, na altura, estava para pertencer à banda como baixista. Também já tinha havido alguma troca de palavras antes entre ele e o Nelson Leal [vocalista] que nos deixou pensativos em relação à sua entrada na banda. Devido às suas características como baterista achámos que ele seria o membro que nos faltava. Fizemos alguns ensaios com ele e desde logo houve um bom entendimento entre nós. Mais tarde sentimos falta de mais um guitarrista. Nessa altura, ponderámos alguns nomes, mas acabámos por fazer apenas uma audição antes do Lote que acabou por não dar em nada. Como o Nelson já conhecia o Lote há algum tempo e, inclusive, tinha conhecimento do seu trabalho como guitarrista e do seu possível interesse em se juntar a nós, acabou por ser natural a sua entrada na banda. Tivemos sempre a preocupação de procurar alguém que, para além de gostar daquilo que estávamos a fazer, conseguisse assimilar o espírito da banda e estes dois membros, Zefa e Lote, tinham tudo o que era necessário para construirmos uma “família”!

Por acaso, só recentemente descobri que o vosso baixista – Miguel Ângelo – é apenas convidado ao vivo. Têm intenções de resolver essa situação ou a banda prefere trabalhar nestes termos?
Temos e sempre tivemos intenção de resolver esta situação. Contudo, não tem sido nada fácil. Fizemos já várias tentativas que, infelizmente, nunca passaram disso mesmo. O Miguel tem sido um grande amigo e sempre que pôde ajudou-nos, mas não lhe é possível acompanhar-nos sempre devido à sua indisponibilidade. Continuamos com esta situação resolvida apenas temporariamente. Porém, já posso adiantar que dentro em breve estaremos com este problema resolvido definitivamente.

Atendendo ao vosso percurso e média de idades pode-se depreender que a vossa experiência facilite as coisas no funcionamento dos Anomally. É assim?
Sem dúvida! Já temos alguma maturidade para poder pensar em tudo ao pormenor sem corrermos grandes riscos. Essa tem sido uma das nossas grandes preocupações - fazer com que tudo funcione. Quanto ao nosso background só mesmo eu e o Tiago não fizemos parte de bandas anteriormente. Quanto aos restantes membros todos fizeram parte de bandas importantes como os Gods Sin, Absinto ou Lithium. Isso fez com que eles ganhassem a consciência daquilo que se deve passar numa banda e em seu redor e acabou por se tornar uma mais valia para aqueles que nunca tinham vivido esta experiência.

O Nelson Leal é o membro mais novo da banda e com influências um pouco diferentes das do resto da banda. Isto contribui para que a banda soe minimamente diferente de uma banda convencional de death/goth metal?
Bem, não digo que seja apenas por ele ter influências um pouco diferentes, porque se formos a ver, um adora Metallica outro Cradle Of Filth outro Devildriver outro Pantera e é precisamente isto que faz com que a banda soe diferente. Como fora referido inicialmente, a ideia inicial era misturar o metal com electrónica... Com o evoluir da banda comecei a ver que aquilo que estávamos a fazer era precisamente juntar todas as nossas maiores influências. Não é uma fórmula mágica mas tem resultado connosco. Não é nada nunca antes visto mas é aquilo que pretendíamos e só assim podemos agradar a nós próprios. Imagina que todos os membros da banda adoravam Opeth... Iríamos ter tendência a criar musica muito semelhante a esta referência. Acabávamos por ser os Opeth da Terceira e não é isso que queremos! [risos] É natural que surjam algumas comparações com bandas que nos servem de referência mas, hoje em dia, isso é quase inevitável.

Voltando um pouco atrás... Que cumplicidade havia entre ti e o Tiago Alves para quererem iniciar um projecto?
Somos amigos de longa data. São dez anos de amizade que surgiram praticamente com a ideia “vamos formar uma banda?”. A verdade é que acabou por nunca resultar em nada em concreto, ora por falta de espaço para ensaiar, ora por falta de membros para completar uma banda, ora por falta de disponibilidade da nossa parte... Os estudos estavam em primeiro lugar e devido à minha deslocação para fora da ilha aquele que era um sonho nosso foi sendo adiado. Ainda me lembro de estarmos no quarto do Tiago a tocar “Goat On Fire” dos Moonspell... Foram belos tempos ao longo dos quais fomo-nos conhecendo e desenvolvendo capacidades essenciais para formar um dia uma banda com pés e cabeça. Passados estes anos todos fico com aquela sensação de que foi o melhor que nos podia ter acontecido.

Em 2006 auto-financiaram uma demo. Apesar de esta ter propósitos restritos acabaram por distribui-la e receber algumas reacções. Que balanço fazem da sua edição?
O balanço foi bastante positivo. Temos vindo a receber boas críticas por parte da imprensa, melhores até do que estávamos à espera.

O objectivo era qual propriamente? Nunca pensaram em esperar um pouco e tentar lançar a demo de forma mais elaborada?
O objectivo inicial era apenas ter um registo para consumo próprio, ou seja, apenas para vermos como estavam a soar as músicas ou se era necessário alterar alguma coisa. Entretanto, começámos a achar que aquele seria um bom veículo de promoção para a banda e foi com esse intuito que apostámos em divulgar essa demo. Na altura, era o que tínhamos entre mãos, ninguém nos conhecia e foi a única maneira por nós encontrada para conseguirmos mostrar aquilo que estávamos a fazer há alguns meses. Estávamos conscientes que aquela estava longe de ser a melhor gravação, mas ficámos tão entusiasmados com o que tínhamos que decidimos não esperar mais! Foi quase como quem acaba de ter um filho e o que quer é mostrá-lo aos seus amigos, por mais feio que seja! [risos] A verdade é que, apesar de termos noção de que se calhar deveríamos ter esperado mais um pouco e lançado a demo com melhor qualidade, não nos arrependemos do rumo que tomámos. Costuma-se dizer que os arrependidos vão para o céu, por isso mesmo, cada vez mais, não me quero arrepender do que faço! [risos]

Os refrões fortes e bastante orelhudos dos Anomally fazem parte de um método de composição algo premeditado, digamos assim? Ou seja, os Anomally incutem este elemento na sua música porque preocupam-se em ter um som minimamente original?
Preocupamo-nos em ter um som que agrade a gregos e troianos, mas, principalmente, a nós próprios. O que quero dizer com isto é que pretendemos ter um som que ao mesmo tempo seja algo actual e que consiga agradar ao pessoal mais “old school”. Esta “faceta” dos Anomally deve-se praticamente ao Nelson. Acho que se fosse por mim nunca iríamos ter refrões melódicos, mas aí é que entra aquilo a que me referia há pouco - tentamos dar espaço a todos os membros da banda para que cada um contribua com a sua parte, aquela que lhe vai fazer evidenciar na banda. Há que dar o mérito ao Nelson e também ao Lote que tem um registo vocal limpo muito interessante.

Passado algum tempo desde a edição da vossa primeira demo já devem ter vários novos temas compostos. Mantém a orientação dos anteriores?
Exacto, já contamos com mais alguns temas novos desde a edição da nossa demo. Dois deles já foram apresentados ao público terceirense e dentro em breve iremos apresentar mais um novo tema no festival Alta Tensão. A sua orientação mantém-se a mesma, não queremos fugir muito àquilo que tanto nos agrada e agrada também a quem já nos conhece. Posso talvez dizer que alguns temas têm uma orientação um pouco mais gótica mas, no entanto, mantêm o cariz pesadão do death metal. Um dos novos temas já apresentados tem alguns aspectos um pouco diferentes, algo que nunca tínhamos experimentado durante a fase de composição. Quem estiver presente no próximo dia 20 de Julho no Coliseu Micaelense vai ter oportunidade de os constatar e, certamente, não ficará desapontado. Quem gostar de um bom headbanging vai gostar dos novos temas. Quanto à edição de um novo trabalho, temos previsto o lançamento de um EP ainda este ano, talvez mais para o seu término. Estamos ainda a decidir onde o vamos gravar mas já é certo que desta vez iremos apostar em algo mais profissional. Neste momento, infelizmente, ainda não posso adiantar nada em concreto, pois não temos a certeza onde e com quem o iremos gravar. Têm surgido várias soluções que nos têm deixado um pouco indecisos...

Dada a realidade musical da ilha Terceira como é manter uma banda sob as vossas características? Os Anomally acabam até por ser a banda mais pesada da vossa ilha!
É necessário muito amor e dedicação ao que fazemos! Sem essa grande dedicação não conseguiríamos nada, mas acho que isso não se resume apenas a uma banda da ilha Terceira. Talvez a nossa grande desvantagem cá na ilha é sermos a banda mais pesada o que torna um pouco mais difícil a aceitação por parte de quem organiza os concertos ou festivais... Acho que estes apenas pensam nas massas enquanto que não se preocupam em saber aquilo que na realidade está a motivar algum interesse nas camadas mais jovens e até mesmo no pessoal da nossa idade que começou a ouvir metal, tal como eu, com 13 ou 14 anos.

Sentes-te, de alguma forma, desgostoso por não haver tanto espaço para bandas como a vossa na Terceira? O punk acaba por ser a vertente que comanda....
É evidente que gostava de ver mais bandas a tocar dentro do nosso género na ilha Terceira. A verdade é que a realidade é outra... O punk, tal como afirmas, comanda e o rock também tem bastantes seguidores. O mesmo já não se pode dizer do metal... Existem alguns seguidores mas a camada mais jovem tem tendência para aquilo que está mais na moda, aquilo que é “mais fácil” de ouvir. Também é verdade que a ilha Terceira nunca foi uma ilha de grandes tradições dentro do metal. Tivemos bandas como os Deathfull, Gods Sin, Enuma Elish [na sua fase inicial], Absinto, e pouco mais... Talvez por isso não me admire muito de não haver mais bandas agora. Somos os eternos resistentes! Pode ser que consiga convencer o meu irmão de 12 anos a ouvir mais metal e ele crie a próxima banda de metal cá da ilha! [risos]

Após esta análise, apetece-te deixar alguma mensagem ao público terceirense? [risos]
Que comecem a ouvir mais metal! Comecem por bandas de culto como os Iron Maiden, Megadeth, Metallica, Pantera e vão ver que não custa nada! Talvez as primeiras vezes custe um bocadinho, mas isso é como tudo na vida! [risos] Ok, agora a sério... Tenho uma mensagem de agradecimento a deixar ao público terceirense por todo o apoio manifestado pelos Anomally. Acho engraçado certas pessoas virem-nos dizer que gostam da nossa banda, apesar de não gostarem de música pesada. A eles o meu obrigado!

Sim, este era exactamente um ponto em que ia tocar... Apesar do metal não ser muito admirado na ilha Terceira, vocês têm já a vossa base de apoiantes! O balanço da vossa existência deve, por isso, ser positivo...
Sim, posso dizer que tem sido bastante positivo. Acho que estamos a abrir os olhos de quem pensa que o metal é só barulho. Temos vindo a cumprir praticamente todos os objectivos traçados para a banda, só isso é bastante satisfatório. Estamos a conseguir mostrar a quem nos acompanha que não estamos aqui para brincar às bandas e que aquilo que pretendemos é ser o mais profissionais possível! Por isso, sinto que as pessoas nos têm atribuído o mérito que eventualmente merecemos.

A participação no Alta Tensão será o culminar de dois anos positivos de carreira? O então merecido prémio?
Se é o merecido prémio ou não acho que só os nossos seguidores o podem dizer. A meu ver fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e a participação neste festival é, sem duvida, um grande feito para nós... É um prazer estarmos presentes num cartaz com bandas como Morbid Death, Reaktor e Mnemic! É algo que, infelizmente, não está ao alcance de todas as bandas. Felizmente, foi-nos dado algum mérito e, por isso, só tenho a agradecer à More Agency, à SounD(/)ZonE e ao Coliseu Micaelense.

Como estão a viver este momento? Quais as grandes expectativas para o festival?
Como deves imaginar as expectativas são muito grandes. Ir tocar a S. Miguel era um dos nossos objectivos para 2007 e vai ser agora cumprido. É a nossa primeira actuação fora da nossa terra natal e a emoção é muito grande, mas ao mesmo tempo vive-se um momento de alguma contenção, pois não fazemos ideia do que nos espera em S. Miguel. Tenho conhecimento de algumas pessoas curiosas por nos ver ao vivo mas existe sempre aquele “fantasma” que teima em pairar… De qualquer maneira, vamos chegar ao Coliseu, ligar os jacks e fazer aquilo que melhor sabemos fazer! Iremos dar o nosso melhor nem que seja apenas para uma pessoa. Temos noção que este pode ser um grande momento na nossa carreira mas, em primeiro lugar, queremos satisfazer o público que estiver presente e, claro está, a nós próprios. Vamos com o intuito de passar um bom fim-de-semana fora da nossa ilha, confraternizar com pessoal de outras bandas e amigos e beber umas cervejas! [risos]

Pela reconhecida audácia e espírito aventureiro dos terceirenses até que ponto podemos dizer que os Anomally estão dispostos arriscar? Em que circunstâncias estarão, por exemplo, dispostos a mudar de residência em prol da expansão do projecto?
Esta é uma pergunta que me dá, por vezes, para pensar... Neste momento, estamos dispostos a arriscar gravar um CD às nossas custas. Não temos apoios, logo será um risco, mas ao mesmo tempo um sonho concretizado! Não iremos lucrar nada com isso porque vamos apostar praticamente na sua divulgação em rádios, revistas e zines, daí se tornar um risco. Mas estamos mais que dispostos a corrê-los! Como já referi anteriormente, a nossa idade e background permite-nos premeditar bastante antes de tomar qualquer decisão e, se algum dia tivermos de optar pela mudança de residência, vamos ter de ponderar todos os aspectos. O mundo da música é deveras cada vez mais “selvagem” e corremos o risco de embarcar num “barco” sem destino... Esse barco um dia pode afundar-se. Se, porventura, um dia surgir uma oportunidade dessas, certamente iremos optar pelo que for melhor para nós. Tudo depende daquilo que se perspectivar.

Nuno Costa

http://www.anomally.com/
www.myspace.com/theanomally

No comments: