Monday, May 05, 2008

Entrevista ThanatoSchizO

CÓDIGOS INTERCEPTADOS

Sob a condição de se sujeitarem a uma profunda inflexão por um percurso musical recheado de aventuras estilísticas, o grupo de Santa Marta de Penaguião apelou ao apuramento do que o constituiu como entidade muito sui generis no panorama metálico português - e não só - e embarcou na construção de mais um disco pleno de maturidade. “Zoom Code” é o quarto trabalho do grupo liderado por Guilhermino Martins e que vem vincar ainda mais a sua atitude progressiva e aprumar o seu sentido de composição. De um grupo que trabalhou muito para criar o seu próprio universo – no qual se move da maneira mais autónoma possível -, solicitamos a palavra ao guitarrista, sempre muito acessível, Guilhermino Martins.

Os ThanatoSchizO abrem uma nova Era editorial com “Zoom Code”. Esta é a terceira mudança em termos de representação internacional. Têm sentido esta situação como um factor de instabilidade?
Honestamente, não. O facto de termos relações de “one night stand” com as editoras internacionais por onde temos passado acaba por não nos deixar acomodar e permite-nos sentir nisso um incentivo para evoluirmos. A situação de ruptura da inglesa Rage of Achilles foi, talvez, o facto mais relevante, uma vez que a editora nos comunicou estar prestes a encerrar a sua actividade pouco tempo depois de lhe entregarmos o nosso terceiro álbum, “Turbulence”. Isto após já terem editado o anterior “InsomniousNightLift” e terem feito um excelente trabalho de promoção. Nessa altura, sim, foi algo decepcionante, mas acabou por conduzir-nos a uma situação bastante interessante ao conseguirmos licenciar o álbum em Portugal à Misdeed Records e ao cedermos os direitos de edição internacional à australiana Burning Elf. Entretanto a nossa relação com a Burning Elf estava desde logo cingida à edição desse álbum, por isso já sabíamos que teríamos de mudar de pouso neste novo registo.

Como surge então a ligação com a italiana My Kingdom Music?
É uma editora com quem tínhamos uma relação de alguma proximidade. Aprecio, aliás, algumas bandas do seu catálogo [ou que por lá já passaram] como Rain Pain, Klimt 1918 ou Crowhead e o facto de terem demonstrado um entusiástico interesse em trabalhar connosco, aliado à bastante decente distribuição internacional que possuem, acabou por conduzir à assinatura do contrato.

Supõe-se então que esta aborgadem entusiástica vos deixe com expectativas mais altas do que o costume...
Sinceramente, penso que essa maior expectativa parte de fora da banda porque, para nós, o importante é criar música que nos dê gosto ouvir e editá-la, dá-la a conhecer às pessoas. Tenho perfeita consciência do quão “poéticas” possam soar estas palavras mas, em ThanatoSchizO, é isso que realmente se passa. É claro que estamos curiosos por saber como vão as pessoas [especialmente a nível internacional] reagir ao álbum, no entanto essa curiosidade não chega a tirar-nos o sono.

Que balanço faz da projecção do trabalho da banda no estrangeiro ao fim de dez anos de carreira?
Boa, tendo em conta as estruturas editoriais por onde passámos. Poderíamos estar num patamar acima em termos de popularidade se o término da Rage of Achilles não tivesse acontecido tão prematuramente, porque a editora estava, de facto, a promover a banda nos locais certos.

E sentem falta de tocar “fora de portas”?
Neste momento sentimos, sobretudo, falta de tocar! Estivemos praticamente dois anos sem dar concertos por nos termos decidido concentrar apenas e só na composição/pré-produção/gravação/mistura/masterização do novo álbum e, por esta altura, estamos com uma grande vontade de voltar aos palcos. De qualquer forma, curiosamente, o próximo concerto será “fora de portas”: em Zamora [Espanha].

Entretanto, o som da banda tem-se vindo a modernizar como resultado de um recorte cada vez maior de influências. A simbiose peso-melodia aliada a uma postura progressiva tem-se revelado algo benéfica para a vossa imagem?
É uma pergunta complicada. Esta nossa postura corresponde exactamente àquilo em que nós acreditamos e é o nosso “statement” artístico em cada momento da nossa carreira. Por outro lado, é inegável que ainda há muitas pessoas – inclusivamente – dentro do universo do metal que, por ora, não compreendem essa supra-citada simbiose e isso acabou por gerar ao longo da nossa carreira algumas catalogações que, embora proferidas com a melhor das intenções, não foram nada abonatórias no nosso entender.

“Zoom Code” não representa um corte abrupto para com o percurso que a banda tem vindo a traçar, mas creio poder assinalar-se um ligeiro pendor para a exploração da melodia e de ambientes um pouco mais sintetizados.
Sim, começamos cada vez mais a valorizar o papel das vozes na nossa música e a dar-lhes o devido destaque. Penso, aliás, que esse é provavelmente o grande progresso que este álbum encerra. Decidimos, também, fazer uso da tecnologia para enriquecer a nossa música, sim. Ao longo do álbum é possível encontrar um sub-mundo de detalhes na forma de sampling, o qual acaba por acrescentar uma nova camada aos temas. São pormenores muito subtis, apenas detectáveis ao fim de algumas audições mas que, no nosso entender, adicionam ainda mais interesse à música.

Os Opeth são, por exemplo, uma referência muito forte na hora de compor?
São uma banda que apreciamos, mas cuja obra não tomamos como base na hora de compor. Diria que têm tanto peso neste grupo como qualquer outra banda de que gostemos.

Na realidade o universo ThanatoSchizO acaba por ser perfeitamente personalizado. O que faz de vocês compositores distintos?
O facto de ouvirmos música tão diversa acaba por se reflectir na nossa prestação. Como temos diversas cores na nossa palete de tintas, é natural que o quadro que pintemos seja distinto. Penso que esse é o grande “segredo” dessa virtude.

Achei piada ao facto de ler num pódio seu de referências pessoais uma banda como Disillusion, que me parece perfeitamente anónima para o valor que tem. E a surpresa é maior por considerar “Gloria”, o segundo álbum destes germânicos [um trabalho muito pouco ortodoxo], um disco de sua referência. É tal como eles que gosta de estar na música?
Gosto particularmente desse álbum, sim. Aprecio quando as bandas se arriscam num mundo novo e conseguem continuar artisticamente relevantes. Lembro-me que esse álbum teve críticas paradoxais: algumas a destacar a sua genialidade e outras a negarem qualquer pingo de qualidade naquela música. Foi, portanto, um álbum que gerou controvérsia porque, provavelmente, muita gente não estava predisposta a ouvir algo tão, digamos, fora do comum. E sim, isso atrai-nos imenso: criar o nosso mundo, não seguir fórmulas pré-instituídas. Provavelmente o caminho é bem mais penoso em termos de aceitação pública [cada vez mais, as editoras procuram formatos pré-estabelecidos e, no fundo, isso é um reflexo do que o mercado transparece], mas a sensação de criar algo original ultrapassa qualquer crítica menos compreensiva.

Os ThanatoSchizO já exploraram muita coisa musicalmente desde que se formaram. Para onde acha que a banda caminha neste momento?
Sinto que estamos cada vez mais a apurar o nosso instinto de composição e que o futuro passará, decididamente por aí: criar temas cada vez mais bem estruturados.

Como pode entender-se o título “Zoom Code”?
O título equivale ao momento em que verdadeiramente nos consciencializámos de que era necessária uma inflexão [o tal zoom] sobre aquilo que pensamos serem as nossas maiores qualidades musicais. Assim, por ser tão personalizado, este disco acaba por ser o manifesto musical em que melhor nos sentimos até à data. Um zoom sobre a nossa capacidade artística, portanto.

Pode falar-se num cuidado redobrado ao preparar este novo álbum? Ao fim de contas nunca demoraram tanto tempo para lançar um trabalho.
Estivemos quase dois anos [2004-2005] a promover o álbum anterior na estrada. Depois decidimos que era tempo de parar, repensar, reformular e que nos íamos focar ao máximo para tentar criar o melhor registo de TSO até à data. Assim, no primeiro semestre de 2006 começámos a composição. Os primeiros seis temas que surgiram não nos satisfizeram e, como tal, recomeçámos tudo de novo com ânimo redobrado, ao ponto de em Setembro de 2006 termos iniciado a pré-produção deste CD. Em Março de 2007 entrámos em estúdio para a gravação efectiva dos temas e por lá estivemos até Julho. Entretanto ocorreu a masterização, a negociação do contrato com a editora e o lançamento acabou por ser agendado para o início deste ano. Por isso, para nós, este acabou por ser o tempo necessário...

O facto de ter entrado um novo guitarrista também contribuiu para que as coisas se processassem mais lentamente?
Não entrou propriamente um guitarrista. O Eduardo [vocalista] é que, a partir do álbum anterior, começou a tocar guitarra em estúdio e ao vivo. Isso enriqueceu o nosso som e não posso dizer que tenha contribuído para tornar o processo de composição mais lento. Bem pelo contrário, na medida em que as contribuições do Eduardo são cada vez mais relevantes e profícuas.

Há pouco falávamos da vossa repercussão no estrangeiro. Um dos pontos mais surpreendentes nesse aspecto terá sido a descoberta de um grupo de músicos muito jovem, oriundo da Argentina, a fazer uma cover de “Suturn”. Como se sentiram?
Orgulhosos, claro, por ver aqueles miúdos tão novos a tocarem uma versão nossa. Penso que é sempre elogioso ver que há bandas a tocar versões nossas mas, mais ainda, quando estamos a falar de argentinos com idades entre os 10 e os 14 anos. O vídeo continua, aliás, online no Youtube, basta procurar por “Gauchos de Acero ThanatoSchizO”.

Falaram com eles depois disso, por acaso?
Claro que sim! Entretanto contactámo-los e, desde aí, estabelecemos uma forte relação de amizade. Os Gauchos andam a tocar em dezenas de festivais de metal na Argentina e, caso tenham estofo para gerir correctamente a sua carreira, podem vir a ter um futuro bastante risonho.

Talvez pelo índice de popularidade que a banda já parece ter na América do sul, assinaram um contracto com uma editora mexicana para a reedição do vosso primeiro disco. Foram estes os motivos?
Sim, o nosso primeiro álbum teve um reconhecimento extra no território sul-americano e já tivemos várias ofertas de reedição do “Schizo Level”. Assinamos um contrato com a mexicana Sun Empire Productions, a qual tratou da reedição que vai, aliás, acontecer, na próxima semana. Será uma “deluxe edition” do álbum, em digipack e com nova capa.

“Zoom Code” é também um disco pródigo em participações especiais. Como se estabeleceram as parcerias com os convidados em questão?
Quer o Timb Harris dos Estradasphere quer o Zweizz são músicos que admiramos e sentimos que podiam acrescentar algo à nossa música, ao invés de apenas, do ponto de vista do marketing do álbum, poderem pesar positivamente na lista de participações do registo. Aliás, isso seria difícil por se tratarem de músicos com um reconhecimento [infelizmente] reduzido nos meandros da música extrema. Assim, estabelecemos o contacto com ambos e, depois de ouvirem as respectivas músicas onde foram convidados a colocar o seu dedo, aceitaram colaborar connosco. Quanto ao António Pereira, trata-se de um músico local com um historial essencialmente folk que convidámos para tocar saxofone e concertina em momentos-chave do álbum e que nos acompanhou até ao estúdio para registar a sua participação.

O disco já começou a chegar à imprensa nacional e internacional. As reacções têm-vos agradado?
Sem dúvida, apesar de haver críticas que são editadas no dia em que os escribas recebem o CD, algo que me provoca alguma confusão porque este – mais do que nunca – é um álbum que precisa de ser digerido com bastante tempo e audições. Apesar de bastante positivas, gostaria de pensar que as pessoas ouviram “Zoom Code” ao longo de algum tempo para depois explanarem o que pensam sobre ele. Bem sei que a culpa da situação advém da quantidade gigantesca de álbuns que são editados todos os meses, mas definitivamente ThanatoSchizO não são uma banda para consumir/digerir instantaneamente. Seja como for, o feedback que nos tem chegado é bastante positivo.

Agora suponho-vos ansiosos por prestar uma campanha massiva ao vivo. Muitas datas já agendadas?
Três oficializadas e uma série delas prestes a serem confirmadas. Por ora, como já referi, vamos tocar a Zamora, em Espanha, no próximo dia 10 de Maio. Uma semana depois encabeçamos o Liperske IV e em finais de Junho vamos partilhar o palco com Devildriver, Krisiun e Hatesphere no Metal GDL, em Grândola. Ao longo dos próximos tempos vamos divulgar mais datas, inclusivamente os showcases semi-acústicos nas FNACs.

Este ano a organização do Penaguião Metalfest: Liperske IV ficou também a vosso cargo? É uma tarefa complicada organizá-lo?
Dá algum trabalho e exige um grande empenho, mas a sensação de dever cumprido no final do dia do evento justifica e valoriza esse esforço extra. Em termos organizativos tentamos conceder às bandas as condições mínimas que exigimos quando somos convidados a tocar em determinado evento. É por isso que no Liperske não há atrasos nos horários das actuações e o ambiente entre bandas e público é sempre salutar.

Esta data tem um sabor especial por realizar-se na vossa terra e porque comemora o vosso décimo aniversário?
Sem dúvida. Vamos fazer a festa na nossa “casa”, com os nossos amigos [bandas e público] e vamos tocar um set list alongado com temas de todos os registos.

Prontos para mais dez anos de actividade?
Os primeiros dez passaram rápido, por isso, penso que vamos andar por cá enquanto sentirmos que temos algo musicalmente relevante para oferecer. E quer-me parecer que o fim não está para breve, perdoa-me a imodéstia.

Nuno Costa

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