Thursday, September 10, 2009

Entrevista Neurothing

EQUAÇÕES HOMICIDAS

Poderão não estar a concorrer para se tornarem os ícones metálicos polacos, mas o que fazem é, de certo, inovador no seu espaço geográfico e uma tendência pouco globalizável. Os Neurothing surgem em 2004 em Poznan e lançam um EP, “Vanishing Celestial Bodies”, que fez o seu potencial ficar reconhecido pelo mundo fora e gerou bastante curiosidade em seu torno. Motivado por este cenário, o grupo investiu num longa-duração que agora nos chega, em nome próprio. “Murder Book” é um desafio mental de aritmética musical que embora as fáceis alusões à herança Meshuggah, consegue ter um negrume e perversidade bastante próprios. Foi com Mikolaj Fajfer [vocalista] e Sloma [guitarrista] que falámos para ficar a conhecer melhor os “Demónios do Mês” na Metal Hammer.

Como está o vosso estado mental depois de comporem um disco tão complexo como “Murder Book”?
Mikolaj Fajfer:
Estou a melhorar! [risos] A música é algo intrincado e, por isso, requer concentração e tempo para que, no fim, nos dê alegria e satisfação. Penso que assim é positivo para termos uma boa saúde mental. Portanto, posso dizer que “Murder Book” “cura”…
Sloma: Provavelmente não vão acreditar, mas depois de ter ouvido centenas de vezes esse material durante a mistura, começou a soar bastante normal e óbvio. Provavelmente, é uma loucura e a nossa intenção é infectar os outros com este estado de espírito.

Confessam-se obcecados pela “matemática” na música?
M.F.: Não se trata de matemática. Só não gostamos de monotonia. Para mim é muito mais uma questão de conseguir um trabalho perturbador do que matemático. Não faço ideia de onde veio esse termo. Existe muita música complicada a que eu não a chamaria “matemática”. Por exemplo, o Fred Frith ou o Igor Stravinsky… chamariam a sua música de “matemática”? Chamá-la-ia “diversão”. É disso que gosto. Talvez sejamos obcecados por evitar o óbvio. O engraçado é que em polaco a palavra “obviousness” é parecida com “reality”.
S: Matemática… ela está em todo o lado! Não a podes evitar. Até no princípio de qualquer estado é possível encontrarmos números e fracções. “Pura matemática, poderá nunca ser útil a ninguém”, disseram alguns matemáticos. Portanto, não nos confessamos músicos “matemáticos”. [risos] Mas falando a sério: se se referirem a nós como um mundo completamente independente e repleto de abstracções, talvez estejam correctos.

Quais são os vossos ídolos nesta área em particular?
M.F.: Referes-te à cena “matemática”? O meu pai… ele obrigava-me a passar bastante tempo a estudar matemática! [risos] Não gostava nada dele nessa altura, mas isso acabou por trazer-me várias respostas. Mas deixando a brincadeira, tenho que mencionar os Mekong Delta, banda que me foi apresentada pelo Sloma. É óbvio que não os consideraria uma banda de “math metal”, mas eles são um bom exemplo de diversidade obsessiva.
S: Bom, eu acho que vou evadir-me também dos ídolos “matemáticos” e focar-me na física nuclear, acrescentando os Voivod.

Por causa de alguma da vossa esquizofrenia comparar-vos-ia, em certa parte, aos Sikth. Conhecem-nos? Ou melhor, conheciam-nos?
M.F.: Fizeste-me agora recuar no tempo. Não os ouvia muito, mas o facto de teres falado em “esquizofrenia” fez-me ficar com um sorriso na cara. Sempre gostei de bandas que juntam influências de King Crimson com hardcore.
S: Terei que fazer uma pesquisa, não os conheço, mas eles têm que soar bem. Se o dizes…

Que processo assumem como mais conveniente ou fácil para a conclusão deste tipo de composição?
S:
Todo o processo de criação de um álbum é muito excitante. Obviamente que compor dá o prazer maior, mas também depende. Umas vezes temos muitas ideias soltas [este é o nosso método preferido], outras temos apenas uma visão e estás tão concentrado nela que acabas por fazer um tema atrás do outro. Se tiveres todas as ferramentas que precisas para trabalhar, aí todas as partes se tornam interessantes. É complicado dizer qual a forma mais fácil de compor mas, com certeza, qualquer uma delas é fascinante.

Quanto tempo levaram a conceber tantos compassos, tantos breaks, etc?
M.F.:
Penso que levou mais de dois anos a conceber o “Murder Book”. Os Neurothing tiveram um problema com o seu antigo vocalista, o que atrasou um pouco as coisas. Quando me juntei à banda os meus colegas fecharam-me no sótão durante dois meses para escrever as linhas vocais. Portanto, como podes ver, tudo isso demora algum tempo, mas se fizeres isso regularmente podes acelerar o processo de composição.

O Bob Katz que assumiu a mistura e masterização de “Murder Book” é o “iluminado” engenheiro de som que criou o K-System, aquele conceito de unidades padronizadas do nível de sinal nas masterizações? Sabem alguma coisa acerca disso? Como surgiu a ideia de trabalhar com ele?
S:
Claro que conhecemos o conceito do K-System. Nós usámo-lo. Ele não se refere só ao processo do masterização. O conceito de níveis de sinal padronizados aplica-se a todo o domínio áudio, desde a captação até à masterização. Já agora, já ouviste falar da Pleasurize Music Foundation andar a apelar para pararem com a “Guerra do Loudness”? Parece divertido, mas faz sentido. No fim de contas, qualquer possuidor de um rádio portátil sabe como dar mais volume à sua música. Voltando à colaboração com o Bob, eu fiquei impressionado com a sua sabedoria desde que me interessei pelo áudio profissional. Sempre quis que fosse o Bob a trabalhar no material que estávamos a criar e, finalmente, aconteceu. Escrevemos-lhe a convidar, ele concordou, masterizou o álbum… e cá estamos todos satisfeitos.

“Murder Book” é um disco com um conceito bastante obscuro. Quer falar-nos mais pormenorizadamente da sua mensagem?
M.F.: O Homem na sua história sempre foi obscuro e penso que não irá mudar. A minha ideia em relação a esse conceito é comparar pessoas que considero tão negras como cruéis, com estes “seres bons”.

Onde é que a Alice no País das Maravilhas se enquadra nesse conceito?
M.F.: A Alice é também muito obscura; não se trata de uma história de uma miúda boazinha. Uma vez mais, isso reflecte diversidade, uma forma de ver as coisas de uma maneira diferente da que as pessoas nos dizem. É muito fácil ser-se enganado e remeter-nos para um canto onde não conseguimos ver. É uma “A Mad Tea Party”, dualidade, confusão, especialmente se escutarmos a faixa “Infinity”. A segunda parte deste tema é uma conversão da primeira. Hmm, está bem, apanhaste-me: isso é matemática! [risos]
S: Não se trata de matemática, mas de pura física! [risos] Escutem atentamente a “Infinity” e irão encontrar o motivo desse “espelho”. É uma espécie de reflexo modificado de algo que é supostamente normal.

Os músicos dos Neurothing surgem associados a outros projectos musicais e até a uma orquestra sinfónica. Fale-nos dessa, aparente, surpreendente ligação?
M.F.:
Fizemos uma série de coisas antes dos Neurothing. Por exemplo, o Sloma era membro dos Interregnum, agora chamados Metal Notes, que tiveram oportunidade, em 2004, de actuar com a orquestra sinfónica no grande salão da Poznán Philharmonic.
S: Sim, é muito interessante quando uma banda de Metal segue um maestro e não um baterista. Como podem perceber, nós gostamos desse desafio.

Que balanço fazem do vosso primeiro E.P.? Serviu bem para vos dar a conhecer ao mundo?
S:
Diria que superou as nossas expectativas. Era suposto ser apenas uma simples promo, mas aqueles quatro temas acabaram por contagiar muitas pessoas. Foi muito positivo. Infelizmente, não assinámos por nenhuma editora, mas acredito que tudo pode ainda acontecer.

Então o facto de, neste momento, trabalharem independentemente é uma “imposição” e não propriamente uma opção…
M.F.:
É mais uma imposição, sim. Estamos a tentar assinar contracto com alguma editora, mas penso que vêm algum problema em nós. Podia especular muito aqui, mas prefiro não o fazer. Não significa não. Também é bom que sejamos independentes e não haja outras influências para além das da banda.

Tem sido fácil, especialmente para si, espalhar a palavra sobre a banda, tratar de toda a promoção, enquanto pensa também em cantar?
M.F.:
Às vezes gozamos com a situação e dizemos que era bom termos músicos suplentes. O tempo é o mais importante e confesso que adoraria passá-lo mais a tocar. É por essa razão que continuamos a procurar agências e editoras. Existe uma rede grande de promoção por aí, mas os Neurothing ainda continuam fora dela…

Você foi o último elemento a chegar à banda. Como decorreu a adaptação e como se pode definir o seu papel em “Murder Book”?
M.F.:
O meu papel foi o de representar um instrumento também. O nosso tipo de composição não gera um arranjo base comum para vozes, por isso tive que me esforçar para não complicar ainda mais as músicas. Nunca trabalhei assim antes, mas acabou por ser muito interessante e gostei do efeito final, do diálogo entre guitarras, ritmo e vozes.

A nível vocal quais são as suas referências?
M.F.:
Sempre gostei de várias formas de cantar. Refiro-me a harmonias também, e aí os Alice In Chains são um bom exemplo. Costumava ficar também boquiaberto com o Philip Anselmo por cantar e imprimir tanta agressividade no seu desempenho. Contudo, não sou capaz de apontar referências propriamente ditas. Simplesmente, gosto de cantar e da energia que isto pode trazer-nos. Por exemplo, os cantores de Flamenco são o que considero puro e emocionais.

A Polónia não é dos habitats mais naturais para uma banda do vosso tipo. Como são vistos no vosso país e como classifica o underground local?
M.F.:
Ficarias surpreendido. Existiam cá poucas bandas a tocar notas estranhas. Conheces os Kobong? Penso que as pessoas respeitam a música feita com ambição, mas, por alguma razão, temos estado sempre um pouco de lado. Mal posso esperar pela nossa tournée em Novembro. Estou ansioso por conhecer outras bandas e pessoas. Imagino só o que os Neurothing são actualmente e onde se poderão situar no underground local futuramente. No entanto, estou fora dele porque não vivo na Polónia.

Atendendo ao vosso estilo musical, eu diria que são corajosos. Não escolherem o meio de composição musical mais fácil para agarrar os fãs, ainda mais sendo uma banda jovem. Seria muito mais fácil tocar algo terminado em core ou então algo com muita melodia, não concorda?
M.F.:
A coisa mais importante é a satisfação. As tendências mudam constantemente e as bandas também. Mas isto não as leva a lado nenhum. Queremos que os Neurothing sejam reconhecidos, mas não por tocarem música popular. Ficaria muito contente só de ver clubes ao rubro com a nossa música, mas não queremos que esta se torne um entretenimento “fácil”. Simplesmente, iremos tirar prazer do que fazemos.
S: Não me digas que não gostas das nossas melodias! [risos] Mas é verdade, gravámos este disco para nós próprios. Fazemos o que mais gostamos que é tocar.

Acho que vocês são daquelas bandas que ou se venera ou detesta. Também são dessa opinião?
M.F.:
[risos] Exactamente! Uma vez falei sobre isso com o Sloma; não existe mesmo meio-termo. Ao mesmo tempo ouvimos um gajo dizer que odiava Neurothing e não nos iria criticar no seu site e temos a Metal Hammer a nomear “Murder Book” como “Demon Of The Month”… Estas emoções extremas sabem-nos bem.
S: Claro, é o melhor. Não há aqui espaço para “prisioneiros”.

Embora o vosso estilo seja tão “mecânico”, pode-se falar em grande espontaneidade durante o vosso processo de composição?
M.F.:
Sim, durante a gravação de “Murder Book” tive muitos momentos de espontaneidade. Sou tão espontâneo que chego a esmurrar o microfone durante as gravações. E no que toca ao processo de composição há alguns momentos em que nos deixamos levar mas depois temos que “regressar” e tomar o controlo de tudo.
S: [risos] Lembro-me das sessões de gravação do Mikolaj e lembro-me que eram muito emocionais. Por vezes era inacreditável.

Consideram que hoje, apesar de ser extremamente difícil criar uma identidade própria, concebem algo minimamente original?
S:
É óbvio que se nasces original não queres morrer como uma cópia. Mas é possível ser original hoje em dia? Na minha opinião, não, porque acaba por não interessar o que tu fazes; já foi feito antes. De qualquer forma, o termo original não é o mais apropriado neste contexto. O que mais interessa é a tua identidade. Refiro-me à singularidade e qualidade do teu trabalho. Não interessa se o teu trabalho é original ou não, porque o que torna o teu trabalho único é o sentido da sua criação. A originalidade não define a qualidade. A qualidade define-se a si própria.

Acha que o que vos tem dificultado a assinatura de um contrato com uma editora é o facto de não se enquadrarem facilmente em nenhuma tendência musical ou será que com exemplos como Meshuggah essa onda matemática no Metal até está em voga?
M.F.:
Esta pode ser uma boa razão para ainda não termos conseguido um contrato. Falei com muitos agentes A&R que me disseram que não sabiam que fazer com os Neurothing. O nosso estilo até pode ser uma tendência, mas mais uma vez não considero os Neurothing uma banda pós-Meshuggah, por exemplo.

Mas mais importante que isso tudo é que com ou sem editora os Neurothing pretendem ficar por cá durante muito tempo, não é verdade? Por onde passam os vossos objectivos mais próximos?
M.F:
Não vamos parar de compor só porque não conseguimos um contrato com uma editora. A música é um hobby e uma paixão nossa, daí que a vamos continuar a fazer. De momento, estamos concentrados em ensaios e a procurar agenciamento. O “Murder Book” já está disponível e espero que apareça alguém corajoso para cooperar connosco.
S: Isto é como perguntar se consegues curar a esquizofrenia. Podes acalmar-nos por um pouco ou tratar-nos com choques eléctricos, mas vamos levantar-nos de novo. Planeamos tocar em breve e depois disso, provavelmente, começaremos a compor novo material. Até já tenho alguns compassos interessantes em mente. Espero ver-vos na nossa tournée.

Nuno Costa

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