Wednesday, December 05, 2007

Entrevista Corpus Christii

PELOS DESTROÇOS DA ALMA

A frontalidade e a frieza desconcertantes sempre pautaram o trabalho de um projecto como os Corpus Christii. Em posição difícil, Nocturnus Horrendus [seu líder] conseguiu impor a sua realidade musical e hoje, perto de comemorar dez anos de carreira, preserva uma integridade ímpar no patamar mais underground do Metal nacional. Os momentos difíceis da vida fizeram-no arrancar com uma trilogia discográfica com “The Torment Belief", em 2003, e este ano dá por finda a sua jornada de tormento com a edição do seu terceiro capítulo - “Rising”. Aparentemente mais “aliviado” por ter consumado mais uma obra e triunfado perante a necessidade de abrir o livro e expurgar a sua mais profunda “miséria”, como mandam as regras do black metal, este novo trabalho vem mostrar um projecto em progressivo crescimento e que já é um caso assinalável de reconhecimento fora de portas. Segue a interessante conversa que tivemos com Nocturnus Horrendus.

Acabado de vir de uma tournée europeia com os Setherial e Ravencult, como se sente? Cansado, mas, certamente, satisfeito...
Foi verdadeiramente cansativo mas uma experiência a repetir, especialmente porque nos demos bastante bem com as restantes bandas e poucos foram os concertos em que não estavamos motivados. Também a maior parte das salas eram boas e sempre conhecemos sitios onde, provavelmente, nunca iríamos conhecer caso não fosse por intermédio de uma tournée. E, claro, porque assim deu-nos a oportunidade de promover o nosso novo trabalho, “Rising”.

Este tipo de digressões extensas pela Europa e ainda mais ao lado de nomes importantes da cena black metal europeia estavam bastante longe dos seus pensamentos quando criou a banda?
Nunca tive grandes expectativas com a banda, sempre quis, sim, fazer a música que gosto e ainda permaneço com o mesmo espírito. Interessa-me, acima de tudo, a música. Lançamentos, concertos, etc, é tudo secundário, mas claro que apreciado. Sempre nos motiva mais quando damos um concerto e corre bem, e as pessoas vêm-nos dizer o quanto gostaram. Naturalmente para mim foi mesmo muito especial partilhar o palco com os Setherial visto serem uma banda que sigo há mais de dez anos.

Lá fora já há a consciência de que os Corpus Christii são os maiores representantes do black metal português de ascendência nórdica e natureza tradicional?
Creio que sim, pelo menos é o que me apercebo pelas entrevistas que dou para o estrangeiro em que raros são as casos em que conhecem muitas mais bandas neste nosso panorama. Decayed é sempre uma referência, mas os próprios não se consideram Black Metal. No entanto, nos últimos anos tem havido mais bandas lusas a editar trabalhos que têm espalhado bem a palavra lá fora, como é o caso dos Lux ferre, Onirik, Irae, entre mais alguns.

Na realidade, conseguir digressões como as que tem feito ultimamente não será algo despropositado. Os Corpus Christii chegam, de facto, a muito lado e devem vender também alguns discos... É assim que têm conseguido chegar tão longe?
Não é pela venda de discos de certeza, pois vendemos pouco. Mas este meio é um meio em que uma banda pode ser considerada de “culto”, ter imensa gente nos concertos mas, no entanto, só terem vendido 1000 cópias de um álbum. Não é o caso dos Corpus Christii, pois vendemos mais que isso, é claro, mas dá para ter uma ideia das coisas. Não esquecer também os downloads e a falta de dinheiro para se ter tudo original, é um meio saturado com imensos lançamentos. Portanto, creio haver pessoas que chegam a comprar mais merchandising das bandas que os próprios álbuns. Os Corpus Christii têm praticamente dez anos de existência, sempre com lançamentos lineares e fortes, e a tentar dar concertos de referência. É a persistência que marca a diferença.

Acha que o facto dos Corpus Christii terem crescido fora de portas tem servido para as pessoas começarem a pesquisar sobre que mais se faz de qualidade em Portugal ao nível do black metal? Sim, pelo menos costumam perguntar que mais há por cá e claro que dou sempre nomes. Apoio as bandas que gosto e é com gosto que as promovo sempre que posso. Por alguma razão já cheguei a lançar várias demos e mesmo CD´s de bandas portugueses pela Nightmare Productions [www.nightmareprod.com].

Já agora, estão de saúde as hostes black metallers nacionais?
Há boas bandas e pessoas dedicadas, mais não direi.

Tocar no continente americano ainda não foi tarefa consumada, pois não? Anseia muito por isso, já que, por exemplo, no Brasil há muita tradição black metal no seu underground?
É muito dispendioso e Corpus Christii não é uma banda muito conhecida no continente americano. Pode ser que isso agora mude visto que o nosso novo álbum foi editado no dia 20 de Novembro no norte e sul da América pela Moribund Cult e confio no trabalho deles. Sei que já vendemos relativamente bem para esse continente, mas isso não chega para haver um promotor disposto a pagar as inúmeras e dispendiosas despesas inerentes à contratação de uma banda como Corpus Christii para actuar. Seria um risco bastante elevado. No entanto, nunca sabemos o dia de amanhã, espero que isso possa vir a realizar-se.

Está a par do espírito que o movimento gera no Brasil? Tem a consciência de que existe uma luta intensa, diria, “étnica” que tenta discernir quem são os true metallers e os untrue metallers e que isso implica mesmo guerrilhas e sangue?
Acredito que assim o seja em todo o lado, debato-me com merdas dessas quase todos os dias. A diferença é que no Brasil pode vir a ser mais extremo. Sinceramente, estou-me a cagar para tais coisas, tanto que o Metal é uma coisa e o Black Metal outra. Sou independente e não sigo modas nem grupos, mas se quiserem criar problemas desse tipo que o façam. Eu acho uma perca de tempo!

Para lhe tentar explicar um pouco melhor os extremos que as coisas atingem lá, digo-lhe que uma simples amostra de moda em que o estilista expõe os seus modelos com pinturas faciais semelhantes às do black metal é o suficiente para despoletar uma série de manifestações na internet e, certamente, também no “mundo real”... Compreende que assim seja?
Soube desse acontecimento e acho muito bem que se tenham manifestado. Acho um absurdo o Black Metal chegar ao mainstream desse modo, chegar aos ouvidos/vista de todos. O Black Metal é um estilo musical muito especifico, o qual muito poucas pessoas compreendem. Portanto, de nada serve espalhá-lo pelos meros mortais. Gostaria que o Black metal fosse de novo underground, que ainda tivesse a força de outrora, em que bandas como Satyricon não andassem a usar o termo como se fosse música pop. Mas bem, as coisas mudaram e agora é um pouco tarde para resolver seja o que for. Mas uma coisa deve ser vista com atenção: as bandas do underground Black Metal começaram a vender muito menos e ter muito menos gente nos concertos assim que o nome passou fora do Underground. Dá que pensar.

Creio que o que gera estes problemas no black metal é o seu espírito e letras que, quando levados à risca, geram situações como essas. Por outro lado, mete-se a questão da genuinidade neste tipo de música e isto passa, fundamentalmente, pelas suas letras e, aliás, saberá melhor que ninguém o quão importante é a mensagem nas suas composições... Em que ficamos? Como se discerne o que deve ser levado a sério e o que não deve?
Tudo deve ser levado a sério se as letras são sinceras, mas também todos somos crescidos para nos apercebermos quando se trata de metáforas; nem sempre é tudo preto e branco. Sei do que falo, pois cada vez mais sigo esse tipo de letra em que as coisas não são claras e leva sim o ouvinte/leitor a pensar. Cansei de letras básicas e directas, no entanto, sei dar o seu devido valor. Eu mesmo cheguei a escrevê-las, mas muitas das vezes era mais como forma de protesto e não propriamente para serem levadas ao ponto. Há que haver o minimo de consciência, há que pelo menos haver o mínimo de identidade individual e cada pessoa levar as coisas com os seus próprios olhos e não somente como pode achar que todos levam. Mas bem, em muitos dos casos de extremismo os “actores” são do mesmo meio, da mesma [suposta] família, portanto, não passa tudo de uma grande comédia. Se querem fomentar terror no mundo terá de ser nos restantes humanos e não no “parceiro” que pode [ou não] pensar o mesmo.

Quando começou a compor a trilogia “Torment” que sentimentos o guiavam? Sei que é sempre muito visceral e puro quando compõe...
Estava numa fase muito má da minha vida, senão mesmo a pior, e sabia que tinha de transformar toda aquela dor em música. Foi bastante fácil e fi-lo desde então com muita dedicação e, acima de tudo, pureza. Tenho sido transparente, mostro que o Black Metal pode ser bem mais do que “matem o cristão” e merdas desse tipo. A trilogia, tal como ela é, demonstra o meu “Eu”, a minha vida ritualista em complemento com a dor e Satanás. Cabe a cada um escolher como quer assimilar a trilogia, muitos o fazem somente pela música e não me importo, especialmente porque não é fácil dar a conhecer o que uma pessoa realmente é.

“Rising” fecha este capítulo ou haverá sempre interligação dos temas desta trilogia com o que fará daqui em diante? Ou mesmo uma recuperação da história, uma parte IV?
“Rising” fecha este capítulo. Musicalmente não sei o que farei daqui em diante, não é algo que me faça parar e pensar sobre o assunto. Fui sempre extremamente espontâneo no que faço, portanto, o que vem a seguir tanto pode ter índices destes três registos anteriores como não pode. Mas o círculo em si está encerrado, não haverá uma IV parte.
Agora se o tormento continua, sim, continua e não desejo que desapareça.

Este disco marca particularmente a carreira dos Corpus Christii ou mesmo a sua vida?
Não sei se poderei meter as coisas nesse prisma, cada álbum para mim foi um triunfo, uma conquista, algo sempre inesperado. E sinceramente gosto de todos os álbuns, mas este é o mais completo, o que sinto que não tem um único momento fraco. E estamos a falar de um álbum longo, quase 58 minutos. Cheguei mesmo a tirar alguns temas pois achei que já era demasiado longo, mas de forma alguma enfadonho. Penso que os Corpus Christii ainda têm muito para dar e cada ano tem sido uma luta, não me interessa se celebro décadas etc, é-me irrisório. Interessa-me sim que cada álbum seja sempre uma preciosa jóia a que me dedico de corpo e alma em honra para com Satanás.

Musicalmente, “Rising” é um disco de passagens mais calmas e ambientais/melódicas que o normal. Acaba por encaixar bem num final de história... Qual é concretamente o papel da música no último capítulo desta trilogia?
O de reflectir a verdadeira essência do autor e suas letras, mostrar também que o Black Metal é um estilo muito complexo e, acima de tudo, bastante variado. Diria mesmo o mais variado dentro do panorama do Metal em geral. Não acredito em limitações e acho que o demonstro com este álbum. Não se trata de um álbum vanguardista mas tem elementos de vários estilos musicais. Transmite variadissimos sentimentos, sentimentos esses que reflectem esta trilogia, toda a sua essência e, principalmente, o revelar do quão ligado é para com a minha pessoa e a minha dedicação para com Satanás.

Relativamente à sua experiência como músico e mentor dos Corpus Christii, terá, certamente, muita coisa a contar. É curioso olhar para o seu percurso e ver que já trabalhou com uma série de músicos estrangeiros, alguns reputados como, por exemplo, Necromorbus que já tocou nos Watain...
Sim, realmente já passei por muita coisa com esta banda e quando toca a passados membros até eu mesmo fico impressionado com a série de pessoas com quem toquei, e acima de tudo, com a dedicação da maior parte delas. Agora se são de banda X ou Y tanto me faz, interessa-me sim que gostem da música e que se dediquem, é o fulcral.

Para além disso, conta actualmente com os préstimos de Norgaath, baixista dos belgas Grimfaug. Trabalham à distância já que compõe tudo sozinho, mas como fica a disponibilidade dele sempre que é preciso tocar ao vivo?
Como sempre fiz com outros: mando as tablaturas e trabalham sozinhos em casa, se puderem dar um certo concerto dão, se não lá tenho eu de tentar encontrar outra pessoa. Felizmente, há pessoas com empregos flexiveis ou outros [infelizmente] desempregados, portanto, há sempre uma solução. Verdade seja dita que em Portugal não se arranja muitos que façam os seus trabalhos de casa, já me dei bem mal com isso, e por isso mesmo tenho optado por pessoas mais profissionais e que assumem as coisas como deve ser. Os músicos cá pensam que as coisas lá fora são mais facilitadas mas não. A diferença é que se dedicam e se preciso não vão sair um sábado à noite, mas sim ensaiar e fazer o melhor pela sua banda, seja como membro da banda ou mesmo somente sessão.

Ignis Nox, seu companheiro na criação deste projecto, já não está consigo. Pode explicar-nos o que se passou?
Ele desinteressou-se em tocar piano, na música em geral. Eu já andava a fazer certas partes das teclas e isso para mim foi desmotivante. Ele decidiu seguir um caminho diferente e assim seja. Pelo menos saiu e deixou a banda continuar quando há casos em que as pessoas querem sair mas não o fazem e só empatam a banda. Sei de variadissimos casos.

Como se sente a comandar este “barco” sozinho?
Como se navegando num barco fantasma...

Abre hipótese a que outros músicos com quem trabalha venham a contribuir com as suas ideias para o material dos Corpus Christii?
Nunca aconteceu fora com o Necromorbus em que fazia parte da banda, mas pode vir a acontecer. Já para o “Rising” tive uns amigos a fazerem uns arranjos em dois ou três riffs. O próximo passo é meter o Menthor como membro da banda, portanto, é claro que ele vai ajudar nas estruturas dos temas. Já para o “Rising” ele entrou com algumas ideias de ritmos, não fui eu que dei as ideias todas. Acho importante vir a ter mais colaboração de outros músicos na banda porque pode ser bastante saturante uma pessoa ter de pensar em tudo, porém para este álbum não tive grandes problemas. Quando acabei nem queria acreditar que tinha conseguido fazer tantos temas em tão pouco tempo e, sobretudo, sem qualquer pressão.

Como disse há pouco, gere também a Nightmare Productions, para além de que tem uma série de outros projectos musicais. É difícil compatibilizar todas essas suas funções?
Muito complexo e, por isso mesmo, é que a maior parte dos projectos estão parados. Neste momento só me tenho mesmo focado na minha vida profissional, na editora e em Corpus Christii. Pode ser que me meta em algo mais musicalmente dentro de breve mas estou a ir com calma. Nunca fui precipitado nem vou o começar a ser agora. Tudo acontece quando é suposto acontecer.

Neste momento, quais são as grandes apostas da Nightmare Productions?
Temos estado a trabalhar no duro com o novo de Corpus Christii, o mesmo com o novo de Onirik - “Spectre” - e já de seguida vamos lançar a segunda edição do MCD “Hail Sathanas We Are The Black Legions” dos Mütiilation. Ao mesmo tempo, o CD de estreia dos suecos BlackwindS, projecto do Mysteriis e Kraath dos Setherial. O CD consiste em 3 temas de um EP há muito esgotado e quatro temas que nunca foram editados. Consultem mais informação no site da Nightmare Productions. O site é actualizado pelo menos duas vezes por semana com material que estamos sempre a receber.

Agora que terminou uma digressão pela Europa e está de volta a Portugal, quais são os planos a curto prazo? Estão a ser programadas mais datas ou já é tempo de parar e pensar em outros projectos?
Estou já a agendar uns concertos para Fevereiro e Março em Espanha e Portugal, com os Corpus Christii. Já se falou em algo para Abril, mas isso não é ainda certo. Agora será ter calma até finais de Fevereiro e escolher um novo set list. Não queremos tocar todos os mesmos temas que tocamos na tour. E de agora em adiante seremos um quinteto; o Adrastis dos Vorkreist [Fran] é agora o segundo guitarrista de sessão. Decidi voltar só a cantar.

3 comments:

Anonymous said...

A entrevista está boa mas as perguntas sobre o brasil e guerrilhas e sangue são no mínimo engraçadas.

Anonymous said...

"Engraçadas" é uma classificação muito ambígua...

Eder Dagon said...

Muito boa a entrevista, sou brasileiro e entendi perfeitamente o que o autor da entrevista quis dizer sobre essas tais guerrilhas...
Parabéns pela excelente entrevista!
Excelentes perguntas para excelentes respostas!