Wednesday, March 31, 2010

Crónica

IGNORÂNCIA E PRECONCEITO

Inicio este texto colocando uma questão muito simples: como é possível alguém como Alberto Gonçalves, transbordante de preconceitos socioculturais e autor de ideias bacocas chegou a sociólogo, denegrindo vilmente a profissão e quem a exerce? Não entendo. E formulo uma segunda questão, muitíssimo bem colocada por Rui Miguel Abreu, cronista da Blitz: "quem no seu perfeito juízo daria emprego a Alberto Gonçalves?" [neste caso, quem no seu perfeito juízo lhe atribuiria uma coluna de opinião num jornal de âmbito nacional?]. Para contextualizar, Alberto Gonçalves é o autor dos infames textos "O hip hop também mata" e "'Hip hop', rimas finais", publicados no Diário de Notícias a 21 e 28 de Março, respectivamente, sobre a morte do rapper MC Snake.

Na resposta ao artigo de Abreu ao texto "O hip hop também mata" Gonçalves virou as baterias para o Metal, afirmando desbragada e ignorantemente: "o heavy metal, para usar um exemplo normalmente associado a jovens brancos (...) é de um primarismo similar [ao do Hip Hop], incluindo na celebração da violência (e na misoginia, etc.). Sucede que, ao contrário do hip hop, nem a "criatividade" do heavy metal beneficia de adulação externa ao culto (não conheço académicos empenhados em dissecar o lirimos da banda Nuclear Assault), nem o seu peso (sem trocadilho) ultrapassa círculos restritos.

Antes de mais, caro Alberto Gonçalves, são intrínsecas ao Metal uma estética e imagética tendencialmente mais obscuras e agressivas (nalguns sub-géneros mais do que noutros, como no Death ou no Black Metal) do que noutros estilos musicais, mas surpreende-me o facto de o seu ilustre e mal (in)formado cérebro não detectar uma fortíssima componente de crítica e análise social na música pesada. Para seu conhecimento - porque, notoriamente, precisa de ser esclarecido sobre o tema com a maior urgência possível - o nome Nuclear Assault carrega em si uma violenta crítica face ao perigo de uma eventual guerra nuclear entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética. Isto porque a banda (uma das minhas favoritas, por acaso) surgiu em 1984, a sete anos de a Guerra Fria (já ouviu falar?) terminar, após o colapso da União Soviética, ditado pela queda do Muro de Berlim, em 1989.

Por outro lado, a criatividade no Metal existe, e grande abundância, como poderá facilmente verificar se quiser dar-se ao trabalho de analisar cuidadosamente a estética, a imagética, o lirismo, a composição e a execução técnica de uma simples meia-dúzia de álbuns do género, independentemente da sua variante. Nessa medida, poderá facilmente comprovar não só a criatividade, mas também a cultura inerente a numerosos músicos do género, que muito frequentemente recorrem a disciplinas como a História, a Sociologia, a Literatura, a Arte em geral ou a Ciência para elaborarem intrincados conceitos originários de temas ou álbuns magníficos, provando a complexidade do Metal.

Com efeito, segundo o investigador Nelson Nunes, “o heavy metal não é ‘primário’, pelo simples facto de ser, provavelmente, dos estilos musicais mais complexos. Não acredita? Então veja a inspiração do heavy-metal: música africana tribal (o que mostra o seu enorme valor cultural), música clássica (extremamente apreciada pelas elites, desde o século XVII até hoje, o que revela também a sua complexidade de construção), punk rock (marcado pelas revoluções sociais e ideológicas dos anos 70/80) e ainda pelo blues (que demonstra, mais uma vez, o elevado índice cultural deste género). Por outro lado, o heavy metal não é, de todo, primário, uma vez que não apela, única e exclusivamente, à emotividade; as letras, aliás, são de uma extrema relevância social. Para tal, leiam-se os temas abordados por artistas como Iron Maiden (que apresentam temas históricos aos seus fãs; não será isto uma forma de ensino, apelando à emoção e à lógica?), Metallica, Killswitch Engage, System of a Down, entre muitos outros. O que acontece é que pelo ‘peso’ da música em si, os músicos do género não são, simplesmente, ouvidos pelos media. "

Quanto aos académicos interessados em estudar o Metal não faltam, mas claramente o senhor optou por fazer uma tristíssima figura ao afirmá-lo antes de fazer uma breve pesquisa na Internet sobre o tema, o que diz muito sobre a sua forma de trabalhar. Em particular na última década verificou-se um considerável aumento de importantes estudos sociológicos, antropológicos, psicológicos e históricos sobre o Metal enquanto aglutinador de paixões, gerador de comunidades altamente ritualizadas, com simbologia, ética, representações sociais e comportamentos próprios. Algumas dessas pesquisas resultaram em dezenas livros como Heavy Metal: The Music and its Culture; Running with the Devil: Power, Gender, and Madness in Heavy Metal Music; Lords of Chaos: The Bloody Rise of the Satanic Metal Underground; Rock, and Jazz: Perception and the Phenomenology of Musical Experience; Heavy Metal: A Cultural Sociology; Heavy Metal in Baghdad: The Story of Acrassicauda; This Ain't the Summer of Love: Conflict and Crossover in Heavy Metal and Punk; Metal: the Definitive Guide; Sound of the Beast: The Complete Headbanging History of Heavy Metal; Swedish Death Metal; Extreme Metal: Music and Culture on the Edge ou Heavy Metal Islam: Rock, Resistance and the Struggle for the Soul of Islam. Estes são apenas alguns títulos.

Aliás, a relevância do Metal enquanto objecto de estudo científico ficou bem patente na atribuição pelo Governo neozelandês, em 2007, de uma bolsa de estudo no valor de 96 mil dólares locais (cerca de 50 mil euros), válida até ao corrente ano, ao investigador e headbanger David Snell para conclusão da sua tese de doutoramento, intitulada The Everyday Life of Bogans: Identity and Community Among Heavy Metal Fans . A notícia correu Mundo.

Por outro lado, os documentários Metal: A Headbanger's Journey e Global Metal, realizados pelo antropólogo canadiano Sam Dunn com Scott McFadyen, revelaram-se determinantes para um maior desenvolvimento cultural do género. Embora não baseados em pressupostos científicos, estes documentos vídeo trouxeram ao Metal uma nova credibilidade, suscitando o interesse dos fãs e da sociedade em geral numa perspectiva sociocultural e histórica.

Por outro lado, abundam no mercado as enciclopédias, constituindo as maiores referências The Book of Metal: The Most Comprehensive Encyclopedia of Metal Music Ever Created, Encyclopedia of Heavy Metal Music, The International Encyclopedia of Hard Rock & Heavy Metal, os cinco volumes da colecção Rock Detector (cada um incidindo num subgénero específico), The Virgin Encyclopedia of Heavy Rock, The International Encyclopedia of Hard Rock & Heavy Metal, The New Wave of British Heavy Metal Encyclopedia ou os dois volumes de Extreme Metal. Na Internet, as enciclopédias Metal Archives (www.metal-archives.com/), The BNR Metal Pages (www.bnrmetal.com/), GoC: Folk Metal Encyclopedia (www.truemetal.org/metalmagick/ ), Metallian (www.metallian.com/) ou o próprio Rock Detector (www.musicmight.com/) constituem referências obrigatórias. E estes são apenas alguns exemplos.

Face a tudo isto sr. Alberto Gonçalves ainda acha que o Metal é um género musical menor, sem interesse académico e científico? Entende que o Metal nada tem para oferecer que não mereça ser estudado? Só espero que o título da crónica que assina no DN - "Dias Contados" - seja profética e que muito em breve lhe seja retirada essa tribuna, porque notoriamente não a merece.

Dico

4 comments:

Maria Brandão said...

excelente texto para esclarecer o sr. primário gonçalves e não só.
♥ metal :)

Anonymous said...

Isso é com cada um...

Excelente texto!

Daiwana said...

Eu também sou elitista e só gosto de músicas que tenham mais ou menos 5.000 notas (devidamente escritas em pauta, porque senão não as consigo ler, quanto mais ouvir), que sejam estudadas nas mais conceituadas escolas, e que o grande Max Weber tenha referido.
Tudo o que seja barulho não é pra mim. E nem pensar em ouvir música tribal, até porque os homens das tribos mais parecem macacos que propriamente pessoas decentes que vestem roupa de marca, e andam em veículos a motor.

Bem, podia ficar aqui o dia todo a ironizar, mas de facto só li esta passagem aqui descrita.

O que me parece, e devo dizer que não me parece nada académico, é que o autor nunca usou a expressão, na minha opinião, ou na nossa opinião, ou a nossa conclusão, e escreve num tom que se assemelha mais a uma conversa escrita por Deus, que é dono da razão suprema e absoluta. E olhem que esse nunca escreveu nada!

Nem os sociólogos sabem escrever um texto decente.

Filipe said...

boas tenho 3 bilhetes para os metallica dia 18 de maio para venda ou troca por bilhetes do dia 19..