Friday, April 23, 2010

Crónica

CONVICÇÕES EM JOGO

O fenómeno das bandas de covers [ou versões] é algo “milenar” mas que só muito recentemente chegou aos Açores. Ou pelo menos de forma visível, até porque sempre as houveram. Contudo, o “nano-circuíto” de bares que se criou nos últimos tempos, reconheça-se, até bastante aceitável para a dimensão da região, ou mais propriamente da ilha de S. Miguel, e mesmo a mudança de mentalidade de alguns gerentes que se apercebem do perfil, embora sempre transitório, do cliente e começam a equipar os seus espaços para receber música ao vivo, fazem com que hoje em dia se amontoem e multipliquem as bandas de covers e a animação nocturna tenda a tornar-se monótona e previsível. Se me perguntarem: então preferes que se volte ao modelo do DJ e da pista de dança? É uma opinião pessoal: não.

Onde está o problema? A grande responsabilidade de se ter que variar os setlists, perante uma concorrência que começa a ser feroz, e a dissimulação de outros projectos que vêem na criatividade o seu pressuposto de vida. Atrás, o termo concorrência acaba por ficar bem atribuído e retrata com objectividade um dos propósitos mais “obscuros” da questão: a premissa de se facturar dinheiro. Já o termo criatividade é discutível: nem sempre uma banda de originais é assim tão criativa e interessante.

De qualquer forma, o assunto é melindroso e mexe com a moral de pessoas e músicos. Será preciso algum bom-senso ao interpretar este texto. Não há, objectivamente, nenhum mal em querer-se ser remunerado por horas e horas de trabalho árduo e honesto, muito menos depois se ter tido que desbravar um inóspito caminho repleto de ignorantes que nos tentam travar o progresso e se ter investido fortunas em material, milhares de horas a compor e a planear gravações e não se ver nenhum retorno com isso. É legítimo cansarmo-nos de tanta luta, indiscutivelmente.

Não deixa, no entanto, de ser preocupante quando muitas e promissoras bandas começam a ser deixadas para segundo plano, pois os seus músicos preferem criar mais uma banda de covers talvez na busca da tal profissionalização... a todo o custo. Percebe-se que a maneira como a sociedade vê a música e para que a consome, pouco ou nada tem a ver com estímulo intelectual ou cultural, logo, cada vez mais, as bandas de originais parecem condenadas. No fundo, quer-se apenas um pezinho de dança ao fim-de-semana com algo que nos seja familiar e não “machuque” muito o juízo. Será também legítimo aproveitarmo-nos disso? Provavelmente, mas também não traz nada de pedagógico.

Olhando para os factos e possíveis consequências: as previsões locais em termos de calendário, particularmente no que toca ao Metal, não são nada animadoras. Até agora os concertos foram praticamente uma nulidade e o mais grave é que pouco se perspectiva para o que resta de 2010. Se para a contabilidade final é muito importante também os concertos de Metal organizados em bares, por aventureiros das próprias bandas, a filosofia que parece reinar neste momento, tanto junto de proprietários dos bares como dos próprios músicos, não parece viabilizar pensamentos muito optimistas. Provavelmente, a moda [é que é mesmo esse o termo] das bandas de covers terá que entrar em declínio e começar-se novamente a dar uma ou outra oportunidade às bandas de originais.

Necessariamente, uma questão muito pertinente e talvez o melhor é dar a liberdade para cada um fazer o que melhor achar nas devidas circunstâncias, de aperto ou fartura. Ninguém pode apontar o dedo a ninguém. No entanto, assuma-se, é insubstituível a satisfação de se fazer o que se gosta, preferencialmente com reconhecimento mediático e retorno financeiro. Fica a grande questão: vale a pena continuar a lutar?

Nuno Costa

7 comments:

Daiwana said...

Eu tenho tanto banda de covers, como de originais. A de covers é mesmo para curtir, até porque o dinheiro nem dá para a cova de 1 dente, quanto mais da dentadura toda! Por isso esse tal profissionalismo (que está longe dos pagamentos devidos) só existe mesmo para quem se dedica a outros repertórios, e outras andanças.

Das covers, o que se tira de positivo? - Amizade - reunir um grupo de amigos para passar um bom bocado - Calo nos dedos - abrir os horizontes a outros estilos de forma a ir absorver influências a todo o lado e incorpora-las nos originais - Modernização dos bares - os bares começam a equipar-se com material dedicado aos espectáculos ao vivo, o que beneficia algum festival ou espectáculo que se queira propor ao dono do bar com os originais.

Uma ideia engraçada, que nós já tivemos oportunidade de fazer na prática, é um espectáculo com originais, e logo após o concerto, bandas de covers a tocar, em vez dos habituais DJ's.

Repetitivo, até um bar com CDs ou TVs a passar MTV...

Se houve alguma coisa que tenha aprendido com a banda de covers, é que não existe mercado para os originais cá na ilha, e que as covers são de consumo rápido. É o ouve e descarta, fala mal, diz que é pouco, diz que não gosta, diz que é lento, que é pesado, que é antigo, etc, etc, etc. Mas desse mal, sofremos todos...

Os originais de Metal devem sim, sair do comodismo e ir arriscar lá fora! Hoje em dia nem é preciso a presença física. Manda-se por e-mail, contacta-se, insiste-se. Já se grava cá, já se ensaia cá, já se toca cá, e mesmo assim alguém faz mais que 500 euros por ano?! (a dividir por 4 ou 5!) Poupem-me.

Aqui só mesmo para hobby.

SoundZone said...

De ti não esperava outra coisa. Perfeita consciência da realidade e pensamento maduro!

Estou perfeitamente de acordo com tudo o que disseste e especialmente com essa parte: "abrir os horizontes a outros estilos de forma a ir absorver influências a todo o lado e incorpora-las nos originais". É absolutamente verdade; torna-se uma experiência muito enriquecedora.

Aliás, espero verdadeiramente que não tenham interpretado mal o meu texto. Fiz apenas uma retrato objectivo da actual situação musical local e do que se pode esperar para os próximos tempos. São apenas factos.

Para além disso, a maioria dos que lêem a SoundZone sabem que toco bateria (até tenho vergonha de usar o termo músico), e digo sem qualquer problema que essa ideia já me passou pela cabeça, mas tenho a certeza que não ia ter tempo nem condições para o fazer.

Como disse, não censuro, e digo-o com toda a franqueza, quem o faz mesmo que seja só pelo dinheiro, o que não acontece em todos casos. Nós metaleiros sabemos bem o que é correr incondicionalmente apenas pelo amor à camisola. Mas há pontos em que não há santo que aguenta e dúvide dos seus, até então, princípios imaculados.

Acho muito bem, seja qual for a opinião que tomarmos. Se ninguém zelar por si próprio, quem o fará?

Abraço,
Nuno Costa

Anonymous said...

Concordo plenamente com o k o joao disse, alguns pontos que tu (Nuno) referes, mas discordo completamente pela parte da profissionalização.
é a minha opinião.


Fipos

Anonymous said...

mas percebi o ponto de vista da crónica!

Cumprimentos
Fipos

Anonymous said...

Concordo com o que dizes{nuno] e percebo tal indignação mas uma coisa é certa...a vida nao esta para graças e o mundo nao é um mar de rosas infelizmente principalmente no nosso meio tao pequeno..covers e falo por mim é um modo de acumular experiencia e curtir musicas dos nossos idolos e principalmente fazer sorir as pessoas que nos ouvem...toco por amor a camisola(música) mas nós musicos tocamos no nosso mundo para ganhar mos a vida e investir nos nossos instrumentos para mais tarde fazermos sim um BOM original..assim tornarmo nos em bons profissionais.O problema da nossa região é a falta de humildade ,maturidade e trabalho para perceber que uma coisa discreta faz se quando se tem condiçoes fisicas e psicologicas para tal...assim ama se e respeita se a nossa camisola pq vejo muita porcaria sem pés nem cabeça que faz com que os projectos originais sejam gozados e mal ouvidos...nao quer de facto que as covers dominem a nossa regiao mas que sejam vistas como uma mais valia para a preparaçao do nosso futuro como músicos...se ha muitas covers hoje amanha ha espectaculares originais...grande abraço e TRABALHO

João Freitas

SoundZone said...

Viva pessoal,

É bom receber esse feedback e, sobretudo, trocarmos impressões.

Eu vou pegar num parágrafo que acho essencial:

"Onde está o problema? A grande responsabilidade de se ter que variar os setlists, perante uma concorrência que começa a ser feroz, e a dissimulação de outros projectos que vêem na criatividade o seu pressuposto de vida. Atrás, o termo concorrência acaba por ficar bem atribuído e retrata com objectividade um dos propósitos mais “obscuros” da questão: a premissa de se facturar dinheiro. Já o termo criatividade é discutível: nem sempre uma banda de originais é assim tão criativa e interessante".

A questão da profissionalização não tem mal nenhum. Não é hipocrisia minha. Seria perfeitamente legítimo e muito melhor que vocês (todos músicos envolvidos em bandas de covers) tivessem o seu ganha-pão neste tipo de bandas do que estarem a morar debaixo da ponte por causa do Metal. Tudo o que digo na crónica não é dito com um sentido propriamente crítico mas de alguma apreensão e, acima de tudo, com o intuito de se reflectir sobre a situação actual. É verdade que as bandas de originais estão-se a ressentir (e nem falo das minhas - não uso este blogue para auto-defesa ou promoção - até porque mesmo que aparecessem convites neste momento seria praticamente impossível correspondê-los), mas, no geral, a agenda de eventos de Metal, para já, este ano tem perdido relevância.

De facto, muitas bandas de originais locais têm qualidade muito discutível. Estamos todos de acordo.

Se não há mercado para elas, veria muito pior se os nossos músicos atirassem a toalha ao chão. Fazem muito bem em entregar-se a algo que lhes reconheça mais valor, dê dinheiro e experiência. A questão do "obscuro" está entre aspas precisamente por causa disso: é base para qualquer banda evoluir ter meios financeiros, mas acontece que nalguns casos percebe-se que alguns músicos da nossa praça preferiam canalizar o seu talento e criatividade para os originais. É a essência de um artista: criar. Mas não o fazem pelas dificuldades. Compreende-se e não se quer aqui mártires.

Mas bom, eu estou perfeitamente de acordo com vocês todos. Continuemos aqui a troca saudável de opiniões.

Anonymous said...

sempre amigo, como o ditado popular diz; "falando é que agente se entende" :) cumprimentos

Fipos