Friday, August 24, 2007

Review

POISON THE WELL
“Versions”

[Ferret Music]

Partir do “zero” da nossa imaginação pode ser tão assustador como lançar-nos em queda livre de uma grande altitude. Por isso mesmo, muita gente não arrisca a experiência com medo de falhar ou enfrentar um problema irreversível. Falando da música, poderemos agarrar nos exemplos das bandas que usam algumas influências – é verdade, pois praticamente tudo já foi inventado – mas lhes dão um tão grande cunho pessoal que acabam por criar algo próprio. Os norte-americanos Poison The Well criaram uma mistura estranha na altura em que lançaram o seu primeiro trabalho – o EP “Distance Only Makes The Heart Grow Fonder” [1998] – pegando no músculo do hardcore e no peso do metal para criar um estilo fresco e irreverente e assim incitar aquele que seria o início de uma nova vaga musical que se propagou a partir do novo século e suplantou o nu-metal. Muita gente pode achar estranha essa citação, mas a verdade é que a influência desta banda de Miami no desenrolar desta vertente musical foi preponderante, principalmente com o lançamento do seu álbum de estreia “The Opposite Of December... A Season Of Separation”, de 1999. Na altura, na Trustkill Records, o seu som implodiu como um grande manifesto de independência e, para além disso, sempre se notou uma maneira excêntrica e invulgar de compor. Temos em crer que esta é daquelas bandas a quem se reconhece o som ao longe. Os seguintes “Tear From The Red”, de 2002, e “You Come Before You”, de 2003, manifestavam uma banda em constante latência criativa e começamos a aperceber-nos de que a banda não se mostrava seduzida em seguir um percurso linear.

Se é verdade que os Poison The Well já venderam cerca de 300 000 discos só nos Estados Unidos e isto lhes valeu um contracto, em 2003, com a major Atlantic Records, não será menos acertado dizer que este sucesso todo não foi suficiente para afastar a banda dos seus propósitos. E a prova de que a banda sobrepõe, sem qualquer contemplação, a sua liberdade artística a qualquer pressão vinda da realidade mercantil da música actualmente está na feliz rescisão do contracto com a Atlantic Records que nos permite ter em “Versions”, intacta, a essência criativa que rodeou a composição do novo e quarto álbum dos Poison The Well. Se escutarmos atentamente o anterior “You Come Before You” podemos confiscar alguns elementos que podiam dar indícios da revolução que estava para vir, mas talvez ninguém esperasse.

“Versions” é um disco para se ouvir de mente muito aberta quer se seja fã dos Poison The Well ou não. O experimentalismo reina neste trabalho que soa mais como uma experiência do que propriamente como um álbum onde a harmonia dos seus elementos deixa o ouvinte com uma sensação de conforto. Tudo aqui tem um ar “estranho”, mas absorvente. Na voz, por um lado, temos um Jeffrey Moreira a expurgar uma agressividade que supera a de todas as anteriores gravações e, por outro, temos temas como “Slow Good Morning” ou “You Will Not Be Welcomed” onde o mesmo Moreira canta em tom limpo, mas “afogado” numa tristeza que nos consome e onde a expressão não podia ser mais visceral. Ainda nestes dois temas, destaque para o primeiro que se “espalha” suavemente no éter acompanhado, imagine-se, por trompetes, banjos e mandolins que, em certos momentos, juntamente com o início de “You Will No Be Welcomed” nos lembra algo próximo de uns Portished ou ainda os seus teclados a dar um certo travo a Opeth. Os restantes temas seguem uma linha muito mais rock do que a das anteriores composições do [agora] trio, convivendo não poucas vezes com a aridez do stoner rock que não fosse a voz rasgada de Moreira e poderíamos ter, por exemplo, em “Nagaina” um tema assinado pelos Queens Of The Stone Age. As cadências nunca chegam a ser muito aceleradas, à excepção do inicial “Letter Thing” e “Prematurito El Baby”. No geral, acaba-se por percorrer um álbum a meio tempo – pouco ou nada da violência desenfreada e técnica comprimida de “The Opposite Of December” permanece em “Versions” – onde chegamos a ter muitos temas arrastados, com uma clara toada doom/stoner rock. Curiosamente, sentimos também muito uma forte aura country em várias passagens de guitarra.

No fundo, e como já se disse, este é um disco bastante complexo e acrescentemo-lhes agora o termo original. Profundo e até perturbante, também... Entre a raiva e o desespero vivemos este disco numa amálgama de sentimentos condensados num certa esquizofrenia musical que revela uns Poison The Well extra-sensoriais. É um disco que custa a “entrar” mas em que se percebe a genialidade, principalmente por aqueles que conhecem o percurso da banda. Ou serão estes, principalmente, os mais inconformados com esta mudança? Apesar da qualidade e orientação dos seus discos antigos, a verdade é que músicos com esta natureza não costumam parar ou estagnar... O arrojo e a sede de explorar novos campos não permite este comportamento a grandes mentes. [9/10] N.C.

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