O VERBO DE NEGRO
Na maior parte das vezes por detrás de grandes resultados estão peripécias e dificuldades que teimosamente tentam barrar muitos percursos. Porém, a paixão e dedicação a uma causa representa normalmente o elixir infalível que varre para trás das costas muitos dos “espinhos” que se nos vão tentando cravar nos membros dos nossos anseios. Da Covilhã chegam-nos os Painted Black, autores de “Verbo”, o seu segundo e mais recente EP editado em Janeiro passado, num de dois trabalhos surpreendentes que o nosso underground ofereceu no espaço de sensivelmente cinco meses num universo doom metal, neste caso com sobranceiras fragrâncias goth. Referimo-nos também aos Process Of Guilt que em conjunto com os Painted Black nos fazem crer numa virulenta contaminação de sentimentos negros que parecem estar a invadir o interior do país. Na voz de Luís Fazendeiro e Daniel Lucas, os Painted Black para a SounD(/)ZonE.
“Verbo” é algo de auspicioso e que dá continuidade às excelentes indicações dadas em “The Neverlight”. Como se começam a sentir com a crescente expectativa em torno do vosso trabalho?
Luís: Como deves imaginar extremamente satisfeitos! Para além de ver reconhecido o nosso trabalho árduo, todas as palavras de apreço e críticas positivas à nossa música dão-nos mais motivação. Sabemos que temos de continuar a empenhar-nos e trabalhar mais, mas saber que há realmente pessoas a ouvir-nos e a falar de nós com alguma paixão dá-nos motivação para continuar em frente.
Também fora de portas as reacções têm sido positivas. O objectivo é certamente também internacionalizar os Painted Black...
Luís: A partir do momento em que decidimos expor a nossa música a outras pessoas, para além dos membros da banda e amigos, o objectivo é mostrar o que fazemos ao maior número de pessoas e, claro, isso inclui um âmbito internacional. É mais um esforço que fazemos de exposição. Ter críticas lá fora também é muito positivo, porque abre-nos um pouco a percepção e permite-nos saber a opinião de pessoas com outra cultura e outra experiência a nível musical, o que é sempre enriquecedor. No entanto, será sempre algo que não vai influenciar directamente a maneira de fazermos música. O que me deixa mais feliz na maioria das críticas que tivemos até agora, tanto a nível nacional como internacional, é ver as pessoas escrever sobre nós com uma certa paixão, deixando transparecer que, para além de ouvirem a nossa música, também a conseguem sentir de alguma forma pessoal. Essa é a maior recompensa que poderia ter por parte de quem nos ouve.
Creio que já não haverão dúvidas, mas mesmo assim te pergunto: vocês sonham com algo grande mesmo ou o objectivo principal é essencialmente ir gravando demos, tocando e expurgar os vosso sentimentos através desta forma de arte?
Daniel: Acho que todos que criamos música sonhamos com algo grande. Mas todos na banda temos os pés bem assentes na terra e sabemos que o “algo grande”, se não for uma golpada de sorte, é apenas conseguido com muito trabalho. Como não estamos à espera que a golpada de sorte nos caia no colo, fazemos pelo outro lado, pelo trabalho. Mas mesmo apontando para esse “algo”, o nosso objectivo principal é e sempre será expurgar os sentimentos pela música que fazemos. Foi por essa mesma razão que a banda começou e nada nos irá cegar desse propósito.
Luís: Pessoalmente, o meu sonho passa apenas por nos darem as condições necessárias para podermos mostrar a nossa música às pessoas. Por isso, de certa maneira, já estou a viver o sonho, apenas gostava de ter outras condições à minha disposição! Aliar a necessidade que tenho de fazer música e exprimir-me através dela, tendo a oportunidade de a partilhar com as pessoas, é a única coisa que posso ansiar disto tudo. Esse “algo grande” vai estar sempre, em última análise, dependente da quantidade de pessoas que gostarem e retirarem algo pessoal da nossa música.
Portugal oferece condições às bandas do vosso quadrante que queiram alcançar algo mais significativo?
Luís: Acho que Portugal não oferece condições às bandas de qualquer estilo, excepto à música ligeira portuguesa. Temos o caso raro dos Moonspell, que conseguem viver da música, mas devem ter passado por muitas dificuldades e acredito que por vezes não seja fácil, visto que o mundo da música também é algo volátil. Por isso mesmo eu respeito imenso os Moonspell, para além de gostar muito da sua música e de comprar os discos todos. Admiro-os pela coragem e amor à música e confesso que não acredito que algum dia os Painted Black estejam numa posição em que apenas possam depender da música como uma forma de pagar as contas e as dívidas.
Curiosamente, surgiram quase em simultâneo dois trabalhos de doom [embora o vosso também se cruze com o gótico] de grande qualidade no panorama português. Refiro-me, para além do vosso, ao dos Process Of Guilt. Será que podemos falar de uma actual predisposição da parte do público para este tipo de música? Se bem que o potencial que estes trabalhos apresentam também não deixa muita margem para opiniões negativas...
Luís: Bem, antes de mais, dizeres isso é algo extremamente lisonjeador para nós, e honroso! Pessoalmente não me consigo pôr lado a lado com os Process Of Guilt, mas ultimamente não és o único a colocar-nos ao lado de bandas de muita qualidade, o que só nos deixa contentes. Apenas esperamos trabalhar o suficiente para sermos merecedores. Quanto à predisposição por parte do público, acho que a questão é mais pelo lado de quem faz a música. Têm surgido mais bandas ligadas ao Doom, cada uma com uma linguagem diferente, por predisposição das próprias pessoas que integram as bandas. O público já existia. Esta é a minha opinião, embora não nos considere uma banda Doom, no sentido literal, até porque todos os puristas devem ficar “comichosos” com isso.
Painted Black é, segundo e para vós, uma maneira de expressar e exorcizar os vossos mais intimistas e obscuros sentimentos através da música. O que deitam no papel e na vossa música mais concretamente?
Daniel: O imaginário das letras tenta sempre captar o espírito da melodia da música. Vão desde os “fantasmas” que nos atormentam até às histórias soturnas de amor perdido. O que me leva a escrever ou a procurar e adaptar algo que já tenha escrito é a própria música que o Luís cria. Outras vezes funciona ao contrário. Algo que eu escrevo pode tornar-se numa música. Estas duas partes juntas tornam-se a base das tempestades emocionais que são as músicas de Painted Black.
Luís: Muitas pessoas usam o adjectivo “negro” para caracterizar o nosso som e aceito e respeito, como é óbvio, mas não considero o nosso som negro, até pelo contrário, vejo-o com muita “luz”. Usamos a música para criar algo positivo para nós, a nível pessoal, é normal que esta também percorra o mesmo caminho. O percurso pode ser penoso, agressivo por vezes, embebido em saudade noutros, extremamente intimista ou apenas um reflexo de nós mesmos, mas é usado com a finalidade de nos sentirmos bem no final e exprimir o que nos vai na alma.
Inequivocamente, “Verbo” é um trabalho bastante mais pesado do que “The Neverlight”. A que se deveu essa mudança de postura?
Luís: Essa costela mais agressiva já existia em nós e olhando para trás, temos vindo a incorporar mais peso na nossa música com o passar dos anos. Em “Verbo” está um pouco mais vincada, também graças ao trabalho que o Rui [baterista] tem vindo a desenvolver connosco, e que nos permite explorar melhor esse lado da nossa música. Mas isto não quer dizer que o nosso trabalho seguinte não possa ser mais atmosférico, depende dos estados de espírito. Não limitamos a nossa música. Gostamos e precisamos da nossa diversidade para nos exprimirmos de maneiras diferentes. É esse também o propósito. Se algum dia sentirmos necessidade de incorporar um ritmo tipicamente black metal na nossa música, não iremos hesitar, mas de certeza que isso será feito à nossa maneira e com o nosso cunho pessoal.
Anathema será a vossa maior influência?
Daniel: Não é a maior. É uma das influências. E certamente não é a mais “castradora e asfixiante”. [risos]
Luís: [risos] Todos na banda gostam de Anathema, e é verdade que em praticamente todas as críticas é apontado esse nome como um termo de comparação ou de influência. Eu não me importo absolutamente nada, eu adoro Anathema, é das minhas bandas favoritas e a qualidade da música deles é inegável. Mas quem conhece melhor o nosso trabalho, sabe que há temas que nada têm a ver com a sonoridade praticada por eles. Quando nos apontam temas “puramente death metal”, não sei onde conseguem encaixar aí Anathema, mas tudo bem. Gosto de pensar que essa referência é usada como um ponto de comparação para a intensidade da nossa música, a nível emocional. A música de Anathema tem uma forte carga emocional e se as pessoas acham que conseguimos transmitir dessa mesma forma a nossa música, é algo com o qual apenas podemos ficar extremamente contentes. Enquanto referirem a banda como comparação ou influência e não como algo que copiamos ou plagiamos, está tudo bem! :)
Em “Verbo” vocês contam com várias colaborações, uma delas é a de Mark Kelson [The Eternal]. Como surgiu a oportunidade deste gravar um solo num dos vosso temas?
Luís: A oportunidade surgiu através da amizade que tenho com ele há já algum tempo e que é das melhores coisas que o estar envolvido neste mundo da música me trouxe. É uma grande influência para mim e quando ele se mostrou interessado, aproveitámos, como é natural. Enviei-lhe o tema pela net e ele gravou o solo na Austrália. Eu apenas tive que juntar as coisas cá. Foi uma experiência muito boa que não hesitaria em repetir! Para além de ser muito talentoso é muito boa pessoa e um bom amigo e espero um dia poder estar com ele pessoalmente para falarmos de música e claro, de cangurus e coalas! [risos]
Já agora, pedia-te que nos apresentasses os restantes convidados que intervêm em “Verbo”.
Luís: Para além do Mark, tivemos a participação da Susana Ribeiro, que tocou violino em dois temas, e do nosso velho amigo Bruno Andrade que emprestou os seus dotes para gravar segundas vozes também em dois temas. A experiência com a Susana correu muito bem e ficámos todos muito contentes com o resultado final, mas ironicamente nunca estivemos com ela em estúdio, nem nunca chegámos a conhecê-la pessoalmente. Deixámos as melodias feitas e ela num dia gravou tudo. De qualquer maneira ainda estamos a dever-lhe um CD e esperamos estar com ele para o entregar.
Os Painted Black estão próximos de atingir o seu décimo aniversário. Que nos podes relatar de mais importante ao longo deste tempo?
Luís: Bem, ainda faltam 4 anos para celebrarmos os 10 anos “oficiais” da banda, mas é um pouco injusto considerar estes anos todos, porque alguns deles estivemos basicamente inactivos. Para mim a banda começou como algo mais sério em 2005 quando finalmente conseguimos uma formação estável, com pessoas dedicadas ao projecto. Por isso, incluindo os primeiros tempos de concertos, diria que a banda vai para o 5º ano! [risos] Respondendo à tua pergunta diria que a gravação dos nossos dois demo/EP’s foram os dois marcos mais importantes para nós, para além de alguns concertos que tivemos com maior exposição. Para além disso, destaco também todo o feedback que recebemos até agora, de pessoas que se interessam e gostam da nossa música, e num lado mais pessoal, o facto da banda, e da minha paixão de fazer música, me ter aproximado de pessoas que admiro e respeito.
Há pouco falavas das dificuldades iniciais em encontrar uma formação estável e mais dedicada ao projecto. O que se passou mais concretamente? Certamente por isso só lançaram uma demo passados 4 anos desde a criação dos Painted Black, embora 7 desde que começaste a tocar com o Daniel nos My Sad Soul...
Luís: Esses 3 anos que referes de My Sad Soul, realmente não podem ser contabilizados porque nunca chegou a ser uma banda ou projecto. Os My Sad Soul nasceram a partir do momento em que comecei a aprender a tocar guitarra e o Daniel a cantar e escrever especificamente para música. Foram três anos de aprendizagem e composição dos nossos primeiros temas, tudo de uma forma muito ingénua, e que culminaram em 2001 com a criação dos Painted Black. Desde essa altura até ao lançamento da primeira maqueta, tivemos problemas em arranjar um local de ensaio estável, o que levou a períodos de inactividade. Começámos a ensaiar no sótão do nosso antigo guitarrista, que esteve connosco desde a criação da banda até 2004, e ainda passámos para a garagem da nossa teclista na altura, mas a saída de ambos deixou a banda numa situação delicada. A juntar a isso, o nosso baterista da altura também acabou por sair da banda, por motivos pessoais e problemas de alcoolismo, o que deixou a banda apenas com os dois membros fundadores, e o Telmo, o nosso baixista. O projecto mantém-se hoje em dia graças à vontade e paixão que temos em fazer música, que também é uma necessidade nossa. Não consigo imaginar-me a viver sem fazer a minha música.
Para além disso, quase consigo adivinhar que continua a ser muito difícil editar discos ou demos independentemente e manter uma banda viva. Como é que vocês fazem para financiar tudo isto?
Daniel: Com algum dinheiro angariado em concertos e grande parte do nosso próprio bolso. É um investimento no qual temos confiança e muito gosto, daí não nos custar muito dar dinheiro para tal. É chapa ganha com a banda e chapa gasta com a banda.
Terá sido coincidência ou algumas anomalias na impressão dos booklets das vossas demos são resultado de um labor caseiro ou de alguma gráfica menos dotada? Pergunto-te isto, mais uma vez, porque imagino algumas das dificuldades das bandas underground em gerirem os seus recursos...
Daniel: A gráfica não era das melhores sem dúvida, mas como podes ver pela resposta anterior, funcionamos com o que temos e não nos podemos dar a grandes luxos. A maior parte de nós trabalha e tem contas para pagar. Gastamos com a banda aquilo que o resto nos permite gastar, tentando sempre o máximo para uma boa apresentação. Infelizmente as coisas nunca calham como se quer quando não se pode optar senão pelo mais barato.
Luís: Aproveito para dizer que essas anomalias já foram resolvidas e, neste momento, todas as pessoas que comprarem o “Verbo” irão ter booklets em condições.
Ainda assim, a vossa última demo foi masterizada nos estúdios Rec’N’Roll. No entanto, e apesar de ter sido uma boa aposta, concordarão comigo certamente se disser que uma masterização não basta para se ter um bom som. Acredito que estejam ansiosos por investir numa gravação num estúdio profissional. De facto, a única coisa em que continuo a verificar lacunas nos vossos trabalhos é ao nível da produção... ou seja, efeitos, ambientes e preenchimentos que tornem os vossos temas mais cheios...
Luís: Sim concordo contigo. Ter uma masterização feita por um profissional não é suficiente para se ter uma boa produção. Como disse o Daniel, temos recursos limitados e fazemos as coisas com aquilo que temos. Realmente estamos ansiosos por estar num estúdio profissional, com um produtor competente ao nosso lado, que nos ajude a ter um som bom o suficiente para o podermos lançar mais seriamente. No entanto, a produção dos nossos dois registos auto-financiados é bastante aceitável, mas não deixam de ser maquetas em última análise.
De resto, como está a vossa agenda?
Daniel: Anda a melhorar aos poucos. Já temos um e outro concerto agendado mais para o meio do ano e há algumas apostas das quais esperamos uma resposta. A nossa agenda como banda também é limitada pela nossa agenda do mundo real, mas qualquer espaço que esta nos permita faremos os possíveis para estar disponíveis. Temos consciência que é necessário fazer-nos ouvir pelos eventos da especialidade, mas tal como em tudo que orienta os Painted Black tem de ser tudo feito passo a passo e muito ponderadamente. Desta forma também não se fartam de nós tão cedo. [risos]
Planos para os próximos tempos? Já falam na possibilidade de gravar o vosso primeiro disco?
Luís: Já conversámos um pouco sobre isso e este ano vamos ausentar-nos de estúdios e apostar na divulgação e em tocar o máximo que conseguirmos para posteriormente começarmos a pré-produção de músicas novas. Em termos de composição, temos o álbum pronto! É só uma questão de acertar o alinhamento do álbum, trabalharmos as músicas no local de ensaio e termos sorte para que alguém nos dê condições necessárias para gravarmos algo com qualidade e em boas condições. Por isso na melhor das hipóteses, lá para 2008 teremos algo novo.
Algum comentário especial para os Açores?
Luís: O nosso outro guitarrista, o Miguel, tocou no bar da Madalena na Ilha Terceira, nos Açores, com os “Plug In”, um projecto que ele tem com o Andrade, que fez as segundas vozes em “Verbo”. Algo na veia do que chamam na música ligeira de “dupla romântica”! [risos] Mas neste caso apenas tocam covers em acústico. Eles foram muito bem tratados aí, por isso, esperamos um dia ter a possibilidade de actuar aí e conviver com as boas pessoas do arquipélago! Queremos-te agradecer e enviar um grande abraço, por todo o apoio e força que tens em manter uma das melhores webzines nacionais! Todas as pessoas interessadas podem visitar o nosso site em http://www.paintedblack.no.sapo.pt/. Desejamos as maiores felicidades para a SounD(/)ZonE!
Na maior parte das vezes por detrás de grandes resultados estão peripécias e dificuldades que teimosamente tentam barrar muitos percursos. Porém, a paixão e dedicação a uma causa representa normalmente o elixir infalível que varre para trás das costas muitos dos “espinhos” que se nos vão tentando cravar nos membros dos nossos anseios. Da Covilhã chegam-nos os Painted Black, autores de “Verbo”, o seu segundo e mais recente EP editado em Janeiro passado, num de dois trabalhos surpreendentes que o nosso underground ofereceu no espaço de sensivelmente cinco meses num universo doom metal, neste caso com sobranceiras fragrâncias goth. Referimo-nos também aos Process Of Guilt que em conjunto com os Painted Black nos fazem crer numa virulenta contaminação de sentimentos negros que parecem estar a invadir o interior do país. Na voz de Luís Fazendeiro e Daniel Lucas, os Painted Black para a SounD(/)ZonE.
“Verbo” é algo de auspicioso e que dá continuidade às excelentes indicações dadas em “The Neverlight”. Como se começam a sentir com a crescente expectativa em torno do vosso trabalho?
Luís: Como deves imaginar extremamente satisfeitos! Para além de ver reconhecido o nosso trabalho árduo, todas as palavras de apreço e críticas positivas à nossa música dão-nos mais motivação. Sabemos que temos de continuar a empenhar-nos e trabalhar mais, mas saber que há realmente pessoas a ouvir-nos e a falar de nós com alguma paixão dá-nos motivação para continuar em frente.
Também fora de portas as reacções têm sido positivas. O objectivo é certamente também internacionalizar os Painted Black...
Luís: A partir do momento em que decidimos expor a nossa música a outras pessoas, para além dos membros da banda e amigos, o objectivo é mostrar o que fazemos ao maior número de pessoas e, claro, isso inclui um âmbito internacional. É mais um esforço que fazemos de exposição. Ter críticas lá fora também é muito positivo, porque abre-nos um pouco a percepção e permite-nos saber a opinião de pessoas com outra cultura e outra experiência a nível musical, o que é sempre enriquecedor. No entanto, será sempre algo que não vai influenciar directamente a maneira de fazermos música. O que me deixa mais feliz na maioria das críticas que tivemos até agora, tanto a nível nacional como internacional, é ver as pessoas escrever sobre nós com uma certa paixão, deixando transparecer que, para além de ouvirem a nossa música, também a conseguem sentir de alguma forma pessoal. Essa é a maior recompensa que poderia ter por parte de quem nos ouve.
Creio que já não haverão dúvidas, mas mesmo assim te pergunto: vocês sonham com algo grande mesmo ou o objectivo principal é essencialmente ir gravando demos, tocando e expurgar os vosso sentimentos através desta forma de arte?
Daniel: Acho que todos que criamos música sonhamos com algo grande. Mas todos na banda temos os pés bem assentes na terra e sabemos que o “algo grande”, se não for uma golpada de sorte, é apenas conseguido com muito trabalho. Como não estamos à espera que a golpada de sorte nos caia no colo, fazemos pelo outro lado, pelo trabalho. Mas mesmo apontando para esse “algo”, o nosso objectivo principal é e sempre será expurgar os sentimentos pela música que fazemos. Foi por essa mesma razão que a banda começou e nada nos irá cegar desse propósito.
Luís: Pessoalmente, o meu sonho passa apenas por nos darem as condições necessárias para podermos mostrar a nossa música às pessoas. Por isso, de certa maneira, já estou a viver o sonho, apenas gostava de ter outras condições à minha disposição! Aliar a necessidade que tenho de fazer música e exprimir-me através dela, tendo a oportunidade de a partilhar com as pessoas, é a única coisa que posso ansiar disto tudo. Esse “algo grande” vai estar sempre, em última análise, dependente da quantidade de pessoas que gostarem e retirarem algo pessoal da nossa música.
Portugal oferece condições às bandas do vosso quadrante que queiram alcançar algo mais significativo?
Luís: Acho que Portugal não oferece condições às bandas de qualquer estilo, excepto à música ligeira portuguesa. Temos o caso raro dos Moonspell, que conseguem viver da música, mas devem ter passado por muitas dificuldades e acredito que por vezes não seja fácil, visto que o mundo da música também é algo volátil. Por isso mesmo eu respeito imenso os Moonspell, para além de gostar muito da sua música e de comprar os discos todos. Admiro-os pela coragem e amor à música e confesso que não acredito que algum dia os Painted Black estejam numa posição em que apenas possam depender da música como uma forma de pagar as contas e as dívidas.
Curiosamente, surgiram quase em simultâneo dois trabalhos de doom [embora o vosso também se cruze com o gótico] de grande qualidade no panorama português. Refiro-me, para além do vosso, ao dos Process Of Guilt. Será que podemos falar de uma actual predisposição da parte do público para este tipo de música? Se bem que o potencial que estes trabalhos apresentam também não deixa muita margem para opiniões negativas...
Luís: Bem, antes de mais, dizeres isso é algo extremamente lisonjeador para nós, e honroso! Pessoalmente não me consigo pôr lado a lado com os Process Of Guilt, mas ultimamente não és o único a colocar-nos ao lado de bandas de muita qualidade, o que só nos deixa contentes. Apenas esperamos trabalhar o suficiente para sermos merecedores. Quanto à predisposição por parte do público, acho que a questão é mais pelo lado de quem faz a música. Têm surgido mais bandas ligadas ao Doom, cada uma com uma linguagem diferente, por predisposição das próprias pessoas que integram as bandas. O público já existia. Esta é a minha opinião, embora não nos considere uma banda Doom, no sentido literal, até porque todos os puristas devem ficar “comichosos” com isso.
Painted Black é, segundo e para vós, uma maneira de expressar e exorcizar os vossos mais intimistas e obscuros sentimentos através da música. O que deitam no papel e na vossa música mais concretamente?
Daniel: O imaginário das letras tenta sempre captar o espírito da melodia da música. Vão desde os “fantasmas” que nos atormentam até às histórias soturnas de amor perdido. O que me leva a escrever ou a procurar e adaptar algo que já tenha escrito é a própria música que o Luís cria. Outras vezes funciona ao contrário. Algo que eu escrevo pode tornar-se numa música. Estas duas partes juntas tornam-se a base das tempestades emocionais que são as músicas de Painted Black.
Luís: Muitas pessoas usam o adjectivo “negro” para caracterizar o nosso som e aceito e respeito, como é óbvio, mas não considero o nosso som negro, até pelo contrário, vejo-o com muita “luz”. Usamos a música para criar algo positivo para nós, a nível pessoal, é normal que esta também percorra o mesmo caminho. O percurso pode ser penoso, agressivo por vezes, embebido em saudade noutros, extremamente intimista ou apenas um reflexo de nós mesmos, mas é usado com a finalidade de nos sentirmos bem no final e exprimir o que nos vai na alma.
Inequivocamente, “Verbo” é um trabalho bastante mais pesado do que “The Neverlight”. A que se deveu essa mudança de postura?
Luís: Essa costela mais agressiva já existia em nós e olhando para trás, temos vindo a incorporar mais peso na nossa música com o passar dos anos. Em “Verbo” está um pouco mais vincada, também graças ao trabalho que o Rui [baterista] tem vindo a desenvolver connosco, e que nos permite explorar melhor esse lado da nossa música. Mas isto não quer dizer que o nosso trabalho seguinte não possa ser mais atmosférico, depende dos estados de espírito. Não limitamos a nossa música. Gostamos e precisamos da nossa diversidade para nos exprimirmos de maneiras diferentes. É esse também o propósito. Se algum dia sentirmos necessidade de incorporar um ritmo tipicamente black metal na nossa música, não iremos hesitar, mas de certeza que isso será feito à nossa maneira e com o nosso cunho pessoal.
Anathema será a vossa maior influência?
Daniel: Não é a maior. É uma das influências. E certamente não é a mais “castradora e asfixiante”. [risos]
Luís: [risos] Todos na banda gostam de Anathema, e é verdade que em praticamente todas as críticas é apontado esse nome como um termo de comparação ou de influência. Eu não me importo absolutamente nada, eu adoro Anathema, é das minhas bandas favoritas e a qualidade da música deles é inegável. Mas quem conhece melhor o nosso trabalho, sabe que há temas que nada têm a ver com a sonoridade praticada por eles. Quando nos apontam temas “puramente death metal”, não sei onde conseguem encaixar aí Anathema, mas tudo bem. Gosto de pensar que essa referência é usada como um ponto de comparação para a intensidade da nossa música, a nível emocional. A música de Anathema tem uma forte carga emocional e se as pessoas acham que conseguimos transmitir dessa mesma forma a nossa música, é algo com o qual apenas podemos ficar extremamente contentes. Enquanto referirem a banda como comparação ou influência e não como algo que copiamos ou plagiamos, está tudo bem! :)
Em “Verbo” vocês contam com várias colaborações, uma delas é a de Mark Kelson [The Eternal]. Como surgiu a oportunidade deste gravar um solo num dos vosso temas?
Luís: A oportunidade surgiu através da amizade que tenho com ele há já algum tempo e que é das melhores coisas que o estar envolvido neste mundo da música me trouxe. É uma grande influência para mim e quando ele se mostrou interessado, aproveitámos, como é natural. Enviei-lhe o tema pela net e ele gravou o solo na Austrália. Eu apenas tive que juntar as coisas cá. Foi uma experiência muito boa que não hesitaria em repetir! Para além de ser muito talentoso é muito boa pessoa e um bom amigo e espero um dia poder estar com ele pessoalmente para falarmos de música e claro, de cangurus e coalas! [risos]
Já agora, pedia-te que nos apresentasses os restantes convidados que intervêm em “Verbo”.
Luís: Para além do Mark, tivemos a participação da Susana Ribeiro, que tocou violino em dois temas, e do nosso velho amigo Bruno Andrade que emprestou os seus dotes para gravar segundas vozes também em dois temas. A experiência com a Susana correu muito bem e ficámos todos muito contentes com o resultado final, mas ironicamente nunca estivemos com ela em estúdio, nem nunca chegámos a conhecê-la pessoalmente. Deixámos as melodias feitas e ela num dia gravou tudo. De qualquer maneira ainda estamos a dever-lhe um CD e esperamos estar com ele para o entregar.
Os Painted Black estão próximos de atingir o seu décimo aniversário. Que nos podes relatar de mais importante ao longo deste tempo?
Luís: Bem, ainda faltam 4 anos para celebrarmos os 10 anos “oficiais” da banda, mas é um pouco injusto considerar estes anos todos, porque alguns deles estivemos basicamente inactivos. Para mim a banda começou como algo mais sério em 2005 quando finalmente conseguimos uma formação estável, com pessoas dedicadas ao projecto. Por isso, incluindo os primeiros tempos de concertos, diria que a banda vai para o 5º ano! [risos] Respondendo à tua pergunta diria que a gravação dos nossos dois demo/EP’s foram os dois marcos mais importantes para nós, para além de alguns concertos que tivemos com maior exposição. Para além disso, destaco também todo o feedback que recebemos até agora, de pessoas que se interessam e gostam da nossa música, e num lado mais pessoal, o facto da banda, e da minha paixão de fazer música, me ter aproximado de pessoas que admiro e respeito.
Há pouco falavas das dificuldades iniciais em encontrar uma formação estável e mais dedicada ao projecto. O que se passou mais concretamente? Certamente por isso só lançaram uma demo passados 4 anos desde a criação dos Painted Black, embora 7 desde que começaste a tocar com o Daniel nos My Sad Soul...
Luís: Esses 3 anos que referes de My Sad Soul, realmente não podem ser contabilizados porque nunca chegou a ser uma banda ou projecto. Os My Sad Soul nasceram a partir do momento em que comecei a aprender a tocar guitarra e o Daniel a cantar e escrever especificamente para música. Foram três anos de aprendizagem e composição dos nossos primeiros temas, tudo de uma forma muito ingénua, e que culminaram em 2001 com a criação dos Painted Black. Desde essa altura até ao lançamento da primeira maqueta, tivemos problemas em arranjar um local de ensaio estável, o que levou a períodos de inactividade. Começámos a ensaiar no sótão do nosso antigo guitarrista, que esteve connosco desde a criação da banda até 2004, e ainda passámos para a garagem da nossa teclista na altura, mas a saída de ambos deixou a banda numa situação delicada. A juntar a isso, o nosso baterista da altura também acabou por sair da banda, por motivos pessoais e problemas de alcoolismo, o que deixou a banda apenas com os dois membros fundadores, e o Telmo, o nosso baixista. O projecto mantém-se hoje em dia graças à vontade e paixão que temos em fazer música, que também é uma necessidade nossa. Não consigo imaginar-me a viver sem fazer a minha música.
Para além disso, quase consigo adivinhar que continua a ser muito difícil editar discos ou demos independentemente e manter uma banda viva. Como é que vocês fazem para financiar tudo isto?
Daniel: Com algum dinheiro angariado em concertos e grande parte do nosso próprio bolso. É um investimento no qual temos confiança e muito gosto, daí não nos custar muito dar dinheiro para tal. É chapa ganha com a banda e chapa gasta com a banda.
Terá sido coincidência ou algumas anomalias na impressão dos booklets das vossas demos são resultado de um labor caseiro ou de alguma gráfica menos dotada? Pergunto-te isto, mais uma vez, porque imagino algumas das dificuldades das bandas underground em gerirem os seus recursos...
Daniel: A gráfica não era das melhores sem dúvida, mas como podes ver pela resposta anterior, funcionamos com o que temos e não nos podemos dar a grandes luxos. A maior parte de nós trabalha e tem contas para pagar. Gastamos com a banda aquilo que o resto nos permite gastar, tentando sempre o máximo para uma boa apresentação. Infelizmente as coisas nunca calham como se quer quando não se pode optar senão pelo mais barato.
Luís: Aproveito para dizer que essas anomalias já foram resolvidas e, neste momento, todas as pessoas que comprarem o “Verbo” irão ter booklets em condições.
Ainda assim, a vossa última demo foi masterizada nos estúdios Rec’N’Roll. No entanto, e apesar de ter sido uma boa aposta, concordarão comigo certamente se disser que uma masterização não basta para se ter um bom som. Acredito que estejam ansiosos por investir numa gravação num estúdio profissional. De facto, a única coisa em que continuo a verificar lacunas nos vossos trabalhos é ao nível da produção... ou seja, efeitos, ambientes e preenchimentos que tornem os vossos temas mais cheios...
Luís: Sim concordo contigo. Ter uma masterização feita por um profissional não é suficiente para se ter uma boa produção. Como disse o Daniel, temos recursos limitados e fazemos as coisas com aquilo que temos. Realmente estamos ansiosos por estar num estúdio profissional, com um produtor competente ao nosso lado, que nos ajude a ter um som bom o suficiente para o podermos lançar mais seriamente. No entanto, a produção dos nossos dois registos auto-financiados é bastante aceitável, mas não deixam de ser maquetas em última análise.
De resto, como está a vossa agenda?
Daniel: Anda a melhorar aos poucos. Já temos um e outro concerto agendado mais para o meio do ano e há algumas apostas das quais esperamos uma resposta. A nossa agenda como banda também é limitada pela nossa agenda do mundo real, mas qualquer espaço que esta nos permita faremos os possíveis para estar disponíveis. Temos consciência que é necessário fazer-nos ouvir pelos eventos da especialidade, mas tal como em tudo que orienta os Painted Black tem de ser tudo feito passo a passo e muito ponderadamente. Desta forma também não se fartam de nós tão cedo. [risos]
Planos para os próximos tempos? Já falam na possibilidade de gravar o vosso primeiro disco?
Luís: Já conversámos um pouco sobre isso e este ano vamos ausentar-nos de estúdios e apostar na divulgação e em tocar o máximo que conseguirmos para posteriormente começarmos a pré-produção de músicas novas. Em termos de composição, temos o álbum pronto! É só uma questão de acertar o alinhamento do álbum, trabalharmos as músicas no local de ensaio e termos sorte para que alguém nos dê condições necessárias para gravarmos algo com qualidade e em boas condições. Por isso na melhor das hipóteses, lá para 2008 teremos algo novo.
Algum comentário especial para os Açores?
Luís: O nosso outro guitarrista, o Miguel, tocou no bar da Madalena na Ilha Terceira, nos Açores, com os “Plug In”, um projecto que ele tem com o Andrade, que fez as segundas vozes em “Verbo”. Algo na veia do que chamam na música ligeira de “dupla romântica”! [risos] Mas neste caso apenas tocam covers em acústico. Eles foram muito bem tratados aí, por isso, esperamos um dia ter a possibilidade de actuar aí e conviver com as boas pessoas do arquipélago! Queremos-te agradecer e enviar um grande abraço, por todo o apoio e força que tens em manter uma das melhores webzines nacionais! Todas as pessoas interessadas podem visitar o nosso site em http://www.paintedblack.no.sapo.pt/. Desejamos as maiores felicidades para a SounD(/)ZonE!
No comments:
Post a Comment