Num tempo em que todos se atropelam para criar a música mais inovadora e complexa, os Pitch Black continuam a manifestar-se fiéis devotos de uma atitude directa e simplista mas nem por isso menos válida. O Thrash Metal puro e duro continua a marca profunda do colectivo nortenho que agora mostra-se mais veloz, técnico e poderoso no regresso em disco “Hate Division”. Uma overdose de ódio que o seu líder e guitarrista, Álvaro Fernandes, garante como o resultado de uma enorme dedicação à música em já 14 anos de carreira.
Novamente registam uma significativa demora entre a gravação e edição de um álbum. Uma mera coincidência?
Nem por isso! Trabalhamos de acordo com os nossos meios/recursos/possibilidades/budget. Como queremos que o resultado final seja o mais profissional possível, levamos sempre algum tempo. Por nós todo o processo até seria mais rápido mas estamos dependentes de terceiros e de outros factores. Desde a gravação em estúdio até à arte final do layout, tudo passa pelas mãos de outras pessoas com quem trabalhamos e temos de saber coordenar tudo. Por isso, naturalmente, demora um pouco. Mas o que interessa mesmo é que o resultado final seja do agrado das pessoas que o vão ter na mão.
Optam também de novo por trabalhar com o Rui Danin na produção, mas desta vez as coisas soam muito diferentes. Aliado a isto está a masterização do reputado Jacob Hansen. Fale-nos um pouco dos segredos da gravação de “Hate Division”.
Optámos pelo mesmo produtor porque já sabíamos como as coisas funcionavam entre as duas partes e isso seria meio caminho andado. Tivemos também alguma liberdade no que diz respeito a “timings” e gostamos que assim seja. Tendo em conta o nosso anterior trabalho, tentámos fazer com que o resultado final fosse diferente a nível de som. E foi aí também que o Jacob contribuiu em muito. Foi o toque final e era isso que queríamos - que o nosso novo disco soasse pesado e reflectisse o conceito do nosso trabalho, que é o ódio. Penso termos conseguido, na medida dos possíveis.
Já o ouvi dizer que em Portugal praticamente ninguém se interessa por Thrash Metal. Acha que “Hate Division” pode mudar essa tendência?
Bem, até nem falta gente que goste deste estilo. O que falta é uma cena musical que possa crescer e evoluir. O mesmo não se passa com o Death Metal, por exemplo. No entanto, toda a gente diz que gosta de Thrash [e até é verdade] mas a questão é que os discos dos Exodus, Death Angel, Sodom ou Destruction ficam sempre nas prateleiras das lojas. Vendem-se os discos dos Slayer, Kreator e pouco mais. E também faltam bandas nacionais deste estilo. A cena é um pouco parada.
Quer nas vossas vidas, quer na vossa música, há a intenção de mudar algo?
Sim, talvez. Tendo em mente que a nossa música pode servir de escapatória para a realidade em que vivemos, pode-se dizer que sim. Não sei até que ponto poderemos estar a mudar algo mas se o fazemos será apenas na intenção de chamar a atenção das pessoas e fazê-las ver que há bandas de Thrash em Portugal e que nos concertos vão sempre divertir-se e passar um bom bocado. Afinal, não há energia igual à de um concerto de Thrash. Isso é, sem dúvida, único e muita gente sabe disso!
Apesar de experientes, sentem que evoluíram do anterior para o actual trabalho?
Sim, claro! Penso que desta vez conseguimos apresentar um trabalho tecnicamente superior. Apesar da composição ser semelhante e, de certa maneira, básica, neste disco temos outros elementos. Os temas são mais rápidos, mais difíceis de tocar [risos] e mais pesados. Mas lá está, apesar dos anos todos que temos, ainda é o nosso segundo trabalho. Muito mais está para vir!
O que é que em 1995 havia que agora vos deixa nostálgicos?
Mais transparência e honestidade. Toda a gente ia a concertos com bandas de Punk, de Hardcore e de Metal juntas e todos se davam bem. Os fãs eram semelhantes, havia uma maior abertura de espírito e o que as pessoas queriam era curtir e passar um bom bocado nos concertos. A partir do momento em que se começou a banalizar, no bom sentido, o Metal, as pessoas começaram a dividir-se. Hoje em dia tens pessoas que apenas gostam de Death Metal, outras apenas Black Metal, outras só de Hardcore e por aí fora... Na minha opinião isso é pouco positivo para a cena em geral. As pessoas dividem-se e isso sente-se nos concertos das bandas nacionais.
Enfrentar contratempos parece já quase um “desporto” para os Pitch Black. Contavam com a saída do Hugo Andrade, recentemente?
Teria de acontecer mais tarde ou mais cedo. Tendo o Hugo duas bandas, seria impossível continuar e estar a dar concertos e a promover novos trabalhos em simultâneo, ainda por cima estando tão longe de nós. Era difícil conciliar tudo. O golpe foi duro, claro e o pior foi termos de procurar um substituto e trabalhar nesse sentido ao mesmo tempo que ensaiávamos para os concertos, preparávamos a edição do nosso novo álbum, etc. Foi algo que exigiu muito empenho da nossa parte. Mas, pelos vistos, conseguimos mais uma vez. Vamos ver qual será o próximo obstáculo...
O Tiago Albernaz tem um background mais extremo. Como tem sido adaptá-lo à sonoridade dos Pitch Black?
Nem foi muito difícil, pois o Tiago é um vocalista versátil e consegue ter os dois lados. O mais extremo e o que nos agrada. Após alguns ensaios, ele conseguiu interiorizar bem o que queríamos e chegar a uma sonoridade que se identifica com a nossa.
O facto de ele também fazer parte de outra banda não vos atemoriza imaginando que possa acontecer o mesmo que ao Hugo?
É diferente... os The End Gate têm concertos e temos de saber conciliar isso. Mas não é tão difícil como com os Switchtense. São bandas diferentes e com objectivos e carreiras distintas.
Há uma coisa que acho curiosa: vocês começaram a “Hate Tour” ainda muito antes do álbum ser editado. Tratou-se de alguma estratégica?
Nem por isso... apenas não quisemos estar parados à espera que o disco estivesse cá fora. E então decidimos ir para a estrada antes mesmo do disco sair e uma vez que já estávamos a tocar alguns dos seus temas, pensámos que poderíamos já começar a promover o nosso novo trabalho. O resto do processo estendeu-se até à edição do disco e, consequentemente, aos concertos de promoção ao álbum já editado.
Entretanto, a tournée de promoção a “Hate Division” continua e aguardam-vos ainda algumas datas. Muita demolição até agora?
Muito bom, até à data! O concerto do Moita Metal Fest foi fantástico e o do lançamento do CD no Porto ainda melhor. Fomos muito bem recebidos e foram também os últimos do Hugo. Com o Tiago já demos dois. Vamos continuar a trabalhar e a tocar.... espero que os próximos espectáculos ainda sejam melhores!
Tocar com os Morbid Death no dia 5 de Maio vai ser como?
Vai ser excelente! Acompanho a carreira da banda desde o início e sempre admirei a coragem e a persistência deles. Como estão de visita ao Continente, esperamos poder passar bons momentos e ajudar a que a estada da banda por esses lados seja agradável e divertida. Eles pediram-nos ajuda para um concerto no Porto e nós dissemos imediatamente que sim, claro!
De vez em quando apontam miras ao que se passa nos Açores?
Claro, dentro do possível! É pena estarem geograficamente afastados do Continente, impossibilitando assim um maior crescimento da cena açoriana mas admito ter grande admiração pela vontade e persistência que as bandas têm para conseguirem atingir os objectivos sem desistirem.
Neste momento é o único membro fundador ainda presente na banda. Sente uma acrescida responsabilidade por isso? Digo isso porque reparo que assina a maior parte da composição musical e lírica…
Sempre foi assim. No início era eu que compunha e as coisas acabaram por funcionar assim até agora. Não me importo mas não sinto nenhuma responsabilidade acrescida. É natural e para já tem resultado.
O ódio dos Pitch Black talvez nunca tenha sido tão fortemente expresso como na música e mensagem de “Hate Division”. A situação actual da sociedade e da economia deu-vos força para, mais do que nunca, renunciar ao que está mal?
Eu penso que sim. E não só... nem todos os temas falam concretamente de problemas do nosso dia-a-dia, embora todos eles tenham a mesma temática do ódio. Mas sim, a maior parte serve como “banda sonora” para lidarmos com os nossos problemas e conseguirmos encarar melhor o dia de amanhã. Pelo menos para nós serve como terapia! [risos] Achamos também que devemos sempre passar qualquer coisa para as pessoas que nos ouvem. Qualquer que seja o sentimento... é isso que me faz sentir bem quando ouço música que gosto. Nós queremos que as pessoas sintam o peso e a agressividade do nosso som ou não fossemos nós uma banda de Metal. Mas neste caso, é mesmo o ódio que predomina.
Contudo, os Pitch Black também gostam bastante de se divertir e pensar em coisas positivas, não é assim?
Sempre positivo! Sempre a divertirmo-nos. As pessoas podem olhar para as nossas fotos e ver-nos com cara de maus [risos] mas isso faz parte da mensagem da nossa música e da nossa postura perante a mesma. Somos pessoas normais que se querem divertir, acima de tudo. E se for a beber umas cervejas num concerto nosso ou de outra banda qualquer, ainda melhor!
Contar quantas vezes a palavra “hate” aparece nas vossas letras é um desses sinais de sarcasmo, certo?
[risos] Pois claro! Queríamos que as pessoas se dessem conta de que nos preocupamos com certos pormenores. Talvez fosse uma maneira de quantificar o ódio expresso no álbum… não sei. Nem sei se conseguimos ou não, mas pelo menos tu reparaste! [risos]
Os Pitch Black são hoje uma autêntica “bandeira” do metal tradicional em Portugal. Contudo, acha que em 14 anos de carreira ainda são vítimas de algumas injustiças, nomeadamente em termos de mediatização?
Obrigado! Então não sentimos? Claro que sim! Nada do outro mundo nem de grande gravidade, claro... Mas nem sempre uma banda pode ter o mérito que acha que merece. Nós também não somos dos que exigem demasiado mas aceitamos na boa qualquer coisa, seja má ou boa. A vida continua, a nossa carreira também e um dia, quem sabe, tudo possa mudar. Nós continuamos a lutar, mas é óbvio que não podemos estar sempre de acordo com as coisas que se passam, mas isso é mesmo assim.
As bandas hoje em dia têm legitimidade para se queixarem de terceiros ou pelos meios que têm ao seu dispor, nomeadamente de promoção, só não cumprem os seus objectivos por falta de iniciativa e esforço?
Ninguém se pode queixar ao ponto de querer desistir de tudo! Sentados no sofá à espera que as cenas aconteçam nunca vão a lado nenhum. É preciso muita paciência e dedicação. E nunca desmoralizar! Basta saber como gerir a carreira de uma banda e para se saber isso, só temos de estar atentos ao que se passa à nossa volta e esperar, ensaiar sempre e trabalhar muito!
Nuno Costa
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