"Os nossos passaportes foram feitos em casa"

29/09/2009- Terça-feira, 23h00
Estamos de partida para a Rússia. A polícia faz-nos parar logo após passarmos a fronteira alemã. Vemos um sinal de stop e lanternas a apontar-nos. Abrem-nos a bagageira e fazem a pergunta do costume: "Haben Sie drogen?" [Têm drogas?]. Que obsessão... Nessas alturas um charro vinha mesmo a calhar!
30/09/09 – Quarta-feira, 08h00
Já nos encontramos em Berlim. Nada mau pensámos. Porém, isto era comemorar muito cedo. Logo tivemos que cruzar a Polónia durante o dia e a Lituânia durante a noite. Apanhámos ruas "abandonadas" sem iluminação, chuva, luzes do trânsito que incandeavam.... Subitamente, pelas 4 da madrugada, um sinal de stop deparou-se-nos no caminho. Aparentemente tínhamos excedido os limites de velocidade. Corruptos... os polícias receberam 40€ em dinheiro "vivo". Uma boa receita extraordinária, o voucher oficial de 80€ não é emitido.
01/10/09 - Quinta-feira
Percorremos a Letónia. Às 19h00 chegamos à fronteira russa. Depois de passarmos uma fila enorme composta por camiões alcançamos uma outra fila com dezenas de carros. Será que a fronteira estava fechada? Abriria em breve? Reparamos que a fila se movia, embora a passo de caracol...
Posto fronteiriço #1 - Uma mulher de aspecto carrancudo fiscaliza os passaportes, visas e documentos da viatura. Todos nós temos que preencher um formulário.
Posto fronteiriço #2 - Fiscalização dupla - passaportes, visas e formulários são averiguados minuciosamente. Quase apetece-nos dizer: "Hey, os nossos passaportes foram feitos em casa!". O Matthias [nosso engenheiro de som] continuava a rular. Conseguia ver o lado divertido da situação. Com esta forma exagerada de fiscalização diria que são "espertos": assim convidam ao turismo, à entrada da moeda estrangeira, ao suporte da economia interna... Eventualmente, conseguimos os muito aguardados carimbos e pudemos avançar mais um pouco.
Posto fronteiriço #3 - A nossa carrinha é inspeccionada, incluindo o capot e a bagageira. Pudemos ver uma expressão de reprovação da parte de um dos oficiais. Pensaram: muito equipamento. Preparados que estávamos, mostrámos a nossa lista de equipamento e seus respectivos números de série. Mesmo assim, não foi o suficiente. Tivemos que preencher o mesmo formulário duas vezes listando bagagem de mão, equipamento pessoal, instrumentos e respectivos valores e números de série. "Ok, seja como quiserem". Entretanto, olhámos para o relógio e já se tinham passado seis horas. O tempo escasseava para o nosso primeiro concerto. Estávamos ainda a quatro horas de carro de São Petersburgo. Era já tarde para o teste de som. Neste instante, um homem fardado entra num veículo e conduz-nos a outro posto. Lá dentro tivemos que descarregar e abrir o material todo - flightcases, sacos de bateria e guitarras. Nessa ocasião os cães farejavam a nossa bagagem em busca de droga. Para além disso, o equipamento foi fotografado. Devem ter acabado de receber uma câmera nova... É muito divertido fazer música, não é? Carregamos então todo o material e somos mandados de volta para o sítio inicial. Mais espera... Recebemos cópias das fotos que tinham acabado de ser tiradas e a indicação de que quando deixássemos a Rússia tínhamos que apresentá-las. Perspectiva animadora sabendo que nos íamos submeter a todo esse processo no caminho de regresso.

Os fãs esperavam-nos no clube Zocolo. Um bom cenário não fosse o espectáculo ter sido cancelado! O toque de "recolha" soava às 23h00. Chá e tostas pareciam não satisfazer a nossa fome... Ah pois, eram tudo pessoas de pensamento positivo, como nós. Acabávamos de ter uma nova experiência. Submetíamo-nos a novas regras. Tivemos uma conversa com o promotor do espectáculo antes de subirmos para a carrinha e conduzir de madrugada para Moscovo...
02/10/09- Sexta-feira, 11h30
Agitação matinal; centro de Moscovo; estacionamento gratuíto. A Praça Vermelha, coração da cidade. Os Cilice eram uma atracção? Os turistas japoneses pareciam gostar de nos tirar fotos. Porque não? Pessoas bem aparentadas como nós! Ahahah.
Conhecemos o promotor, Vitali. O alojamento que nos proporcionava era o apartamento da mãe; grande hospitalidade novamente. Dá-nos uma perspectiva sobre a habitação que data da era comunista. Dois quartos -de-cama, um duche, uma casa-de-banho e um balcão. A pequena cozinha é também uma sala-de-estar. Era hora de comer, tomar um duche e relaxar.
Às 17h00 dirigimo-nos à sala do espectáculo com o Vitali e a sua parceira Denise. O Aktovity costumava a ser uma fábrica, agora está transformada numa plataforma para música alternativa. Há três semanas os moscovitas The Absolute Reign abriram para os Textures. Hoje é a vez de abrirem para nós. Fomos informados de que os nossos compatriotas saudaram-nos durante esse concerto. Fixe! Foi um primeiro espectáculo excitante... sem o nosso vocalista. Devido a circunstâncias menos felizes o Daniel teve que abandonar a digressão. Durante as nossas viagens o Remko [guitarrista] transformou as suas vozes originais em samples e aplicou-as sobre o instrumental. Eu próprio também acabei por fazer samples com um Roland SP40. Isto é improviso: a guitarra funcionou à esquerda e os samples à direita. Como vão resultar as coisas a seguir? Não sabemos!
Subimos ao palco sob olhares curiosos. Ficamos loucos e "arruinamos" a casa! O meu pedal MIDI da Engl estava avariado. Vai acabar no lixo depois do concerto. Continuamos a rockar! As pessoas aplaudem. No fim do concerto muitas pessoas se acercaram da nossa bancada de merchandise. Existia interesse em volta da banda. Conseguimos; sucesso! Sentimo-nos aliviados por termos começado bem. Tirámos fotos com fãs e bandas que nos cumprimentaram e demonstraram o seu respeito por nós. Quando é que voltamos? Já perguntávamos... Acabámos no apartamento onde bebemos, comemos e dormimos.
03/10/09 - Sábado
O concerto em Piskov, no clube TIR, foi cancelado - dia de folga. A Denise e o Vitali apanharam-nos para conhecermos sítios interessantes em Moscovo. Fomos até à Praça Vermelha, ao Kremlin, ao mausoléu do Lenin e à catedral Pokrov. O Remko e eu fizemos uma sessão fotográfica para a versão holandesa da revista "The Guitarrist". Estávamos num lugar popular para os turistas e vimos muitos casais em lua-de-mel. Nessa altura contei pelo menos dez limusinas.
Sparrow Hills, a sudoeste de Moscovo, observado do estádio Luzhniki [1980] e através da linha do horizonte da cidade. Vimos carrinhos com recordações absurdas. Podíamos comer panquecas com recheio à nossa escolha, entre eles salmão e caviar tipicamente russos. Para o Vitali a questão era: "De que é que a Rússia se pode mais orgulhar?" Resposta: "Da sua rede subterrânea com cerca de 200 estações". Relembramos de que Moscovo é uma cidade com 18 mil desalojados. A esta altura o que nos surpreendia era as senhoras de sensuais pernas à mostra.
Visitámos um monumento de guerra de 1940-1945. Uma avenida com fontes de luz vermelha adornavam a praça principal. No seu extremo encontra-se um pilar enorme, esculpido com imagens de todo o desenrolar da guerra, incluindo cidades russas. Impressionante!
Precisávamos, desperadamente, de usar a internet. Tal foi possível na primeira filial da McDonald´s na Rússia, no centro da cidade. Contudo, agora existe um restaurante McDonald's em cada canto da capital, bem como outras marcas e retalhistas ocidentais. Se quiserem gastar dinheiro, não há problema. Existem casas de câmbio e multibancos por toda a parte.

Partida para Novgorod. De regresso ao noroeste russo. A viagem deve demorar seis horas. Hora de reabastecer. A primeira estação de combustível que encontramos está fechada. Está cheia de prostitutas. Vamos apanhar a próxima estação. Tivemos sorte - gásoleo a 0.50€ por litro. Dois taxistas bêbedos, encantados com a nossa presença, voltam aos seus táxis depois de nos apertarem a mão várias vezes. Imaginem que são um dos seus clientes...
De regresso à estrada. Não encontramos muito trânsito, nem estradas sem luz. Aproximamo-nos da entrada para uma vila e controlamos a velocidade. Habitualmente há polícia nas estradas e não queremos confrontos com eles. 06h00, chegamos a Novgorod. Estacionamos e dormimos.
Acordei pelas 10h00 e constatei tempo chuvoso. Saí para explorar a área. Fui a um centro comercial. Vi roupa, chapéus de pêlo, peixe... Então, numa secção de áudio de uma outra loja, deu-me vontade de rir: era tudo gay ali ou ninguém falava inglês? O "alarme" era dado por uma batida techno alegremente acompanhada pela frase "estou orgulhoso por ser gay"!
Segunda "metade"; era tempo de ir, mas não muito rápido. Temos uma surpresa: o pneu esquerdo traseiro está meio vazio. Os pneus acabam sempre por ser afectados com esse tipo de viagem em estradas que mais parecem queijos suiços. Não demoramos a encontrar um compressor. Tudo volta ao normal.
Assim que chegamos procuramos o Stereo Bar que fica localizado numa antiga área industrial. A fazer o nosso suporte estão bandas de punk e hardcore melódico. Os putos ficam doidos com elas. Nós ficámos passados durante a nossa actuação também e o público correspondeu bem.
Tal como em Moscovo e São Petersburgo existem aqui muitas lojas 24 horas. Hora das panquecas! Ficámos acomodados em mais um apartamento típicamente comunista. Acediamo-lo através de um código. A entrada estava em decadência. Situava-se numa pequena zona residencial. Eu e o Matthias pensámos o mesmo: "Vamos dormir na carrinha. É muito mais seguro sendo que o nosso material está lá dentro".
Theo Holsheimer [Cilice]
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