Thursday, April 02, 2009

Entrevista Ramp

VISÕES TRANSVERSAIS

Visionários do metal mais pesado gerado em Portugal no início da década de 90, os Ramp são, inevitavelmente, uma instituição de respeito quer pela sua música, quer pela integridade da sua longa carreira. O colectivo liderado por Rui Duarte, sempre serviu de exemplo pela sobriedade e lucidez com que decide dar cada passo e o resultado é uma das mais marcantes carreiras lusas de sempre. Seis anos depois do último álbum de originais, chega-nos “Visions”, decididamente o disco mais obscuro do grupo, mas também um dos mais maduros. Um regresso aclamado que comemorámos com o líder do grupo.

Faz parte de alguma estratégia o facto de os Ramp “cavarem” sempre um grande fosso temporal entre os seus lançamentos?
A principal razão prende-se com disponibilidades. No entanto, não podemos descartar o nível de exigência e selectividade que exercemos sobre nós. A nível musical procuramos sempre ir mais longe.

Depois de um álbum como “Nude”, com uma grande aura sensorial e até mais acessível, foi mais difícil escolher a orientação musical de “Visions”?
Infelizmente, antes tivesse sido. Definitivamente, a vida não nos deu tréguas e encarregou-se de fazer tudo acontecer de uma maneira algo “trágica”.

Os Ramp ainda continuam muito agarrados às suas raízes musicais. A mudança dos tempos não vos faz ficar mais ou menos seduzidos por este ou aquele estilo?
Conhecemos as nossas origens, não escondemos a nossa escola mas fazemos sempre aquilo que nos apetece, musicalmente.

Diria até que “Blind Enchantment” não poderia fazer lembrar mais uma das suas bandas preferidas, os Sepultura, pelo subtil tribalismo que apresenta…
Curiosamente, a essência do “Blind Enchantment tem mais a ver com a grande ligação entre Portugal e África. Como amante de Antropologia, as danças de guerra e os rituais para mim sempre foram apaixonantes. A nossa essência animal está sempre presente e não deixa de ser interessante encontrar paralelos na sociedade, dita, civilizada. As alterações comportamentais, visões, alucinações, transe, exaltação, comunhão, capacidade espiritual entre outras, são parte integrante da história do ser humano desde sempre. A música sempre foi e continua a ser um ritual.

Os Ramp continuam a crescer como pessoas e músicos ou sentem que já atingiram aquele ponto em que só têm que gerir o seu conhecimento?
Não conseguimos parar o processo até ao dia em que deixaremos de respirar…

Para uma banda que demora tanto tempo, como os Ramp, a lançar cada álbum, não se poderá dizer que haja propriamente uma preocupação comercial com o projecto. Primordialmente, estará o preservar da consistência e credibilidade de um nome. É assim que também pensam?
A 100 por cento.

Contudo, enquanto os Ramp estão “adormecidos”, alguns dos vossos membros estão muito activos com bandas de bar. Isto é uma necessidade ou pura diversão?
Costumo sempre dizer, que a melhor maneira de preservar a integridade musical dos Ramp é não depender dela. Desdobramo-nos em diferentes ocupações para sobrevivermos enquanto pessoas normais.

Embora não queiramos, obviamente, desvalorizar o vosso novo guitarrista, a perda de um músico com 20 anos de ligação à banda deixa uma grande pena em todos…
Concordo e partilho uma enorme tristeza…

Houve motivos muito fortes para isso?
Os motivos foram semelhantes: a falta de disponibilidade ao nível das vidas pessoais. Um projecto como os Ramp exige tempo e dedicação. Todos exigem a este colectivo uma qualidade superior sem, no entanto, termos o retorno de maneira a nos podermos disponibilizar mais. Infelizmente, tanto no caso do Sapo como do Tozé tornou-se impossível continuar a conciliação de tudo.

Contudo, o Tó Pica é um músico muito experiente e de longa data dedicado ao Metal nacional. Isso deixa-nos com a sensação de que o testemunho foi bem entregue. Como foi o seu ingresso na banda e qual o seu peso em “Visions”?
O Tó Pica foi sugerido pelo próprio Tozé. Como dizes e bem, a escolha teve várias razões, sendo que as principais foram por sermos amigos de longa data, por tocar à séria, por fazer parte da história do Metal Nacional, por respeitar os Ramp e todo o seu legado, por compreender perfeitamente as regras deste jogo, etc.

Ainda se sentem como “visionários” do Metal em Portugal? “Visions” ainda pode ser sentido em 2009 como “Thoughts” em 1992?
Pessoalmente, serei sempre o puto fã de metal. Faço-o por gosto e como tal, para mim, continuo a sentir-me um visionário. O que os outros pensam só eles podem responder.

Recordo-me de lhe ouvir dizer que “Nude” foi auto-produzido por questões de tempo e pelo factor monetário. Neste momento é mais fácil sustentar a estrutura que uma banda como os Ramp requer?
Não, é cada vez mais difícil.

O facto dos Ramp não fazerem parte de uma estrutura editorial exclusivamente dedicada ao Metal é benéfico? Quando é que acha que é justificável que se fale de uma esterilidade dos Ramp no estrangeiro? Apenas mito, não?
Existem conceitos que ainda hoje não entendo. Um deles é a dimensão e qualidade atribuídas ao factor internacional como premissa obrigatória. Se cada um tem capacidade de raciocínio própria porque é que é tão importante seguir a tendência do seu vizinho? Costumo dizer, sarcasticamente, que os Ramp nunca saíram para o estrangeiro porque são muito maus músicos, têm música de má qualidade… são uma banda horrível ao vivo. Uma coisa aprendi ao longo de todos estes anos: o valor encontra-se sempre muito presente pela pessoa que nos apresenta. A esse nível os Ramp nunca tiveram uma máquina quer editorial, quer de management, quer de agenciamento, quer de P.R. que realmente nos apresentasse às pessoas certas.

Apesar deste álbum ser pesado e talvez mais talhado para ser absorvido ao vivo, o seu conceito lírico continua bastante pessoal e profundo, não é assim?
Nunca foi meu apanágio a ficção “pura”. Os Ramp partem da escola do Thrash e como tal o imaginário lírico é sempre muito focado na vida, seja num plano mais pessoal ou num contexto mais social. Estes últimos anos foram muito duros para mim. Existiram momentos em que o simples facto de sair à rua era assustador. A morte tornou-se um lugar comum. Era impossível o disco ter outra temática.

Uma vez que lhe reconhecemos a forma clara e consciente como expressa o que sente, alguma vez pensou em escrever um livro? Por exemplo, o que o deixa, neste momento, com mais vontade de falar?
Existem muitas pessoas que me inspiram. Se, porventura, alguma vez escrevesse um livro seria sobre a dimensão que cada um de nós encerra dentro de si. Confunde-se demasiado o conceito de cultura. As pessoas preocupam-se demasiado em proteger o seu reino de poder. O pseudo-intelectualismo é um autêntico flagelo social. Existe hoje em dia um grande défice de cultura humana que deveria ser o pilar de qualquer sociedade. Estamos numa fase de reflexão em que deveria de existir a capacidade analítica ao nível da história, de maneira a compreendermos que os modelos existentes são insustentáveis. Pessoas como Agostinho da Silva deveriam de ser modelos de uma dimensão cultural baseada na valorização das pessoas e não numa perspectiva de castas superiores. A sensibilização e mobilização social é algo imprescindível a um novo equilíbrio de forças.

2 comments:

Anonymous said...

Grande Banda, grandes concertos!!!

Para quando um concerto em São Miguel novamente?! ;)

Neves said...

Grande Rui Duarte! Com uma visão bem clara da vida e do meio musical.