Thursday, January 01, 2009

Entrevista Heavenwood

DOGMAS GÓTICOS

“Redemption” é, sem grandes margens para dúvidas, um dos mais aguardados discos num contexto nacional dos últimos anos. O terceiro álbum dos Heavenwood, lançado uma década depois do marcante “Swallow”, revela-se um bem sucedido exercício de rentabilização de experiências negativas e positivas que a banda viveu desde que “congelou” as suas actividades entre 2001 e 2003 e que agora surgem embutidas num disco muito amadurecido e com o aspecto profissional a que a banda sempre nos habituou. São, facilmente, tidos como um dos maiores motivos de orgulho da comunidade metaleira nacional pelo seu rico currículo que extravasou fronteiras no passado. Com “Redemption” vaticinam-se-lhes iguais ou maiores feitos. Ricardo Dias, guitarrista e vocalista, conduziu-nos pelo trajecto deste regresso.


O atraso no vosso regresso em disco não só está ligado a uma paragem entre 2001 e 2003 como também a algumas divergências com a vossa antiga editora, certo?
O “atraso” no nosso regresso em disco foi uma opção tomada pela própria banda e por diversos motivos. A nossa relação com a anterior editora – Massacre Records – teve bons e maus momentos. Enquanto os bons existiram fez-se arte, mas quando os maus surgiram, da parte deles, então tivemos que meter “um pé no travão”, simples e pragmático, no que respeita a esta decisão sendo que sempre que assim for cá estaremos para decidir o que consideramos ser o melhor para nós ou não. Lamentamos mais o facto de quem é fã dos Heavenwood ter esperado tanto tempo, mas neste universo musical, infelizmente, a arte é explorada ao máximo e toda a questão financeira “cega” as editoras discográficas de forma a que ficam a olhar, exclusivamente, para o seu umbigo esquecendo-se de que são, simplesmente, um intermediário neste processo de “emissão” [banda] e “recepção” [fã da banda]. Por essas e outras tantas razões, diversas editoras perderam “o fio à meada” nos dias correntes e salvam-se as que denotem uma sensibilidade extra e aliem os dois factores ao seu desempenho no mercado. “Saber ouvir” [música, músicos e fãs] é um know how fulcral nos dias que correm; as regras são outras.

O que faz dos Heavenwood uma banda atipicamente portuguesa? Ou seja, como chegam a uma estrutura que vos permite ter, por exemplo, um elenco de convidados de luxo como em “Redemption” e conseguem promulgar, expressivamente, o vosso nome no estrangeiro? Trabalho apenas de management?
Uma equipa bem estruturada, um plano/estratégia, a música, o conceito, tempo e a fé naquilo que se concebe – como se de uma bela refeição tratasse! Quanto aos convidados Jeff Waters dos Annihilator, Gus G. dos Firewind e Tijs Vanneste dos Oceans Of Sadness, foi uma questão de os convidar, apresentar as nossas músicas e conceito, sendo o desafio imediatamente aceite por eles – simples.

Entre anos difíceis, como imagino que foram os últimos [sem editora e com uma ténue presença ao vivo], o que vos foi passando pela mente?
Os Heavenwood tiveram editora até 2006… No que respeita a música tivemos todos envolvidos noutros projectos ou viagens musicais. A música nunca deixou de existir em nós. Pessoalmente, tive óptimas experiências em alguns grupos fora do espectro Metal, assim como produzi alguns trabalhos em estúdio para bandas de diversos estilos. O Bruno Silva ainda hoje mantém a função de produzir e gravar algumas bandas do panorama nacional. Os Heavenwood estiveram em stand-by porque não fazia sentido durante esses anos promover o “Diva” ou o “Swallow”.

A renovação, ainda que não sendo radical, do som dos Heavenwood no novo “Redemption” foi algo meticulosamente pensado durante o vosso hiato? Entende mesmo que estão diferentes?
Os processos de composição, pré-produção, gravação, mistura, masterização e edição de “Redemption” foram trabalhados com afinco, ou seja, com alma e coração. Acima de tudo, quisemos ser honestos para ambas as partes, banda e fãs, dar uma continuidade aos álbuns anteriores mas também mirar o futuro e fazer um disco especial. Felizmente, esse sentimento tem tido excelente feedback tanto a nível nacional como internacional, o que, por si só, justifica as minhas palavras, mas se me perguntares se “Redemption” deu muito trabalho eu responderei: sim., mas este suor é extremamente compensador quando a meta se avista.

Aliás, a pressa sempre foi inimiga da perfeição. Como foi compor este terceiro álbum sem a pressão de uma editora, por exemplo?
Em termos de timming foi o ideal e serviu para limarmos arestas, fazer uma pré-produção intensiva, preparar o disco em si de forma a, primeiramente, estarmos satisfeitos, ouvirmos e sentirmos que “Redemption” pertencia aos Heavenwood. Gravar uma maqueta à anos 90 também foi importante. Sentir e ouvir a nossa sonoridade de uma forma rough exigia de nós o máximo em termos musicais e técnicos porque hoje em dia a tecnologia esconde muitos “defeitos de fabrico”. “Redemption”, no final, soa orgânico e esse era o nosso objectivo.

Fazia falta uma banda como os Heavenwood a lançar discos no panorama de peso nacional?
Sim, da mesma forma que farão falta todas as bandas que nos sirvam de exemplo em Portugal ou no estrangeiro.

Que sabor tem “Redemption” para vós, sendo que o vosso último trabalho já data de 1998?
Sabe a um bom Vinho do Porto onde no interior terão oportunidade de saborear uma das melhores castas escolhidas a dedo e no exterior o prazer de guardar a garrafa mesmo depois de a terem bebido por completo, aguardando ter outra da mesma colheita na mão... ou na mesa!

Sentiram-se ansiosos sobre como o público reagiria ao vosso trabalho depois de uma longa ausência e atendendo a que muito mudou ao longo do tempo?
Sinceramente, não. Até à data de lançamento de “Redemption” tínhamos bastante feedback nacional e internacional. As pessoas aguardavam um novo álbum a qualquer momento e as boas vendas em tão pouco tempo em Portugal e na Europa comprovam isso. No passado mês de Dezembro “Redemption” entrou no mercado americano pela Nightmare Records e no mercado russo de leste pela Iron D Records, sendo este último um mercado onde os Heavenwood têm muita força desde sempre. Por um lado, transmite-nos a sensação de que “Diva” e “Swallow”, definitivamente, tiveram impacto ao longo dos tempos, não sendo discos efémeros. Os concertos de apresentação de “Redemption” com a Casa da Música cheia e o Cine-Teatro de Corroios muito bem composto, também foram extremamente reconfortantes para toda a gente.

Falar da primeira edição de “Redemption” é também falar de um facto curioso, pelo menos para os açorianos. A modelo da capa vive na ilha de S. Miguel. Conte-nos a história dessa parceria.
Foi através do responsável da Heavenwood Street Team, o Francisco, que nos sugeriu o trabalho da Sofia e com razão, porque toda a gente ficou e fica “vidrado” com a expressividade da imagem em “Redemption”. Esta transmite um sentimento forte, uma redenção!

E dos Açores podem ainda residir recordações do vosso concerto, se não estou em erro, em 1998, na Universidade dos Açores, em Ponta Delgada. Um momento que vos ficou marcado?
Sim, temos recordações positivas pela receptividade dos fãs dos Heavenwood, o acolhimento e carinho dos açorianos, a beleza da sua terra, a gastronomia, enfim, tantas coisas boas! Esperamos regressar brevemente aos Açores.

Uma vez muito rodados no estrangeiro que principais diferenças traçam entre a realidade nacional e a internacional?
Em termos de orgânica de trabalho, em Portugal julgo que a maior dificuldade está em expor os álbuns nas grandes lides. Falo na imprensa, mas deverão compreender que se em Portugal existem 500 bandas, em Espanha 1500, em França 3000 e na Alemanha 5000, torna-se tudo mais difícil, não impossível, mas difícil. Temos bandas nacionais de enorme talento, outras que trabalham melhor do que produzem música… Os timmings também são fulcrais. Na minha opinião penso que falta às bandas nacionais acreditarem mais no seu trabalho além fronteiras e “gastarem” energias nesse sentido e para isso a Internet é uma excelente ferramenta de trabalho.

Já existem planos para actuarem noutros países?
Brevemente, vão surgir datas para promoção de “Redemption” fora de Portugal. Tínhamos uma data agendada para a Roménia que aguardávamos com ansiedade, mas o promotor desistiu à última da hora. Enfim, 2009 vai começar…

Embora possa ser desconfortável, arriscava uma analogia entre o vosso percurso e/ou cariz e o dos Moonspell. Acha que o sucesso de ambos se deve a uma forma de estar “diferente” no Metal?
Boa questão! Costumo dizer que podes ter a melhor editora do mundo, o melhor manager do mundo, a melhor distribuição do mundo, os melhores músicos do mundo, mas se os temas não estiverem ao nível do “todo” então é melhor esquecer porque, no final de tudo, o que conta é o equilíbrio entre todas as partes envolvidas. Esta foi a lição que aprendemos ao longo dos anos.

Acha, por exemplo, que se não fossem os problemas que assolaram os Heavenwood podiam estar noutro patamar? Talvez no mesmo que o dos Moonspell?
Este tem vindo a ser o nosso destino. Se assim o é então é porque assim tem de ser. Defendo que na música não há patamares mas sim música ou arte. Nos dias de hoje esses patamares são difíceis de se obter mas muito fáceis de se perder. Penso que o melhor mesmo é concentrarmo-nos em fazer bons temas, bem tocados, bem produzidos, bem escritos e daí então por si só vencerão. Os Moonspell são um excelente exemplo para todos os grupos nacionais dentro e fora do Metal. A minha questão é: porque é que outras bandas não seguem o seu caminho tendo eles como exemplo de trabalho e composição? Será o problema da música? Compreendo que seja um tema delicado mas pelo que vejo ao meu redor as ferramentas de trabalho estão à disposição de toda a gente. Francamente, faz-me confusão mas esta é a realidade.

Por tudo o que passaram nos últimos anos, as letras de “Redemption” têm algum sentido especial?
“Redemption” navega pela dualidade que existe no ser humano. Transporta bastantes metáforas a decifrar, desde as letras ao design e aos próprios temas, temas estes a ouvir e que nos fazem descobrir novos caminhos nas nossas mentes – uma alquimia musical!

Neste momento, para onde seguem os Heavenwood? Tudo sólido para que se recupere o “tempo perdido”?
“Para a frente, porque atrás vem gente.”

No comments: