Monday, February 02, 2009

Entrevista Digby Pearson

O MUNDO DA SABEDORIA EXTREMA

Nestas histórias de executivos de editoras, é fácil tratarmo-los como “pais” de alguma coisa, neste caso de bandas de Metal que tanta influência tiveram na vida e crescimento de muitos jovens. Para os fãs de Napalm Death, Carcass, Entombed, Morbid Angel ou Cathedral um dos grandes manifestos de gratidão deve ser endereçado a Digby Pearson, mais conhecido por “Dig”, que em meados de 1980 começou a vender a sua colecção de vinis para poder financiar os primeiros discos das suas bandas. O ex-estudante de medicina, compulsivo consumidor de música, encontrou a sua rampa de lançamento com os Napalm Death assinando um dos maiores clássicos do grindcore – “Scum”. A partir daí usou sempre do seu enorme arrojo musical e até foi capaz de assinar bandas techno no final dos anos 90. Apreciador de mente aberta, Digby diz que, surpreendentemente para as pessoas, continua a fazer a mesma coisa de que há 20 anos atrás, embora já tenha deixado de viver num apartamento. Trabalhar na Earache continua a ser como um hobbie a longo-prazo.

Como era a sua relação com a música antes de se tornar num executivo de uma editora?
Eu era grande fã de punk/hardcore e das bandas primordiais do thrash metal, especialmente dos Slayer, e costumava fazer “tape-trading”. Fiz-me imergir na “cena” local organizando espectáculos, escrevendo uma fanzine, distribuindo discos de hardcore norte-americanos, ajudando amigos com bandas e de vez em quando agendava tournées com bandas estrangeiras no Reino Unido. Eu vivia e respirava música! O meu apartamento abarrotava de discos. Até nos armários da cozinha, em vez de louça, tinha vinis! [risos]

Inclusive, chegou a tocar numa banda, segundo consta, mas acabou por desistir por entender que não tinha talento suficiente para continuar, certo?
Sim, tive algumas bandas em meados dos anos 80, mas nada de muito sério. Fazíamos pequenas descargas de barulho e em 1983 lancei a demo de 105 temas, “Sonik Lobotomy”, dos Genocide Association.

Chegou ainda a desistir do seu curso de medicina e naquela altura não se predisponha a trabalhar no que quer que fosse que não tivesse a ver com Metal. Descrever-se-ia como um amante compulsivo de música extrema?
Compulsivo é mesmo a palavra correcta. Passo a maior parte do tempo a ouvir música e fazia-o mesmo antes de trabalhar nesta área. Por alguma razão, a cultura popular, o mainstream ou até os melhores filmes não me cativavam.

Uma situação que comprovou a sua devoção pela música e vontade de realizar o seu sonho foi quando vendeu a sua colecção de discos para financiar o primeiro trabalho da sua banda. Foi uma decisão difícil de tomar?
Bem, os discos em questão já tinham tocado tanto que a sua música já estava na minha cabeça! Portanto, achei que copiá-los para cassete fosse uma boa opção. Mas sim, senti um aperto enorme na hora de vender tudo para arranjar o dinheiro para que as bandas dos meus amigos pudessem fazer umas gravações decentes.

Que processos adoptou para descobrir e promover as suas primeiras bandas, tendo em conta as contrariedades logísticas e financeiras de meados dos anos 80?
Não foi muito diferente do que é agora. Apenas se assistia a um processo mais longo de “passa-palavra”, que era muito poderoso, tal como hoje. Com a internet o “passa-palavra” apenas passou para “palavra-de-rato”. [risos] Em vez do megaupload ou rapidshare, tínhamos o royal mail. Ok, levávamos um dia em vez de 10 minutos para termos um álbum mas, na verdade, não se trata de nada muito diferente.

Pode descrever-nos mais pormenorizadamente como descobriu bandas como Napalm Death, Carcass e Morbid Angel? Sentiu alguma intuição especial?
Eu promovi o primeiro concerto de sempre dos Napalm Death fora da sua vila. Aconteceu no Boat Club em Nottingham, em 1983. Aconteceu quatro anos antes de eu lançar o seu primeiro álbum. Eles eram meus amigos nessa altura. Os Carcass pertenciam a um ex-membro dos Napalm Death. As bandas estavam todas ligadas a mim por pertencerem à mesma “rede” de “mentes cúmplices” que gostavam de death metal extremo. Posto isso, tratava-se de uma pequena comunidade unida e aproximada pelo “tape trading”.

Foi complicado conceber uma estrutura que o permitisse facilmente convencer as bandas a entraram para o seu catálogo?
Para dizer a verdade, as bandas não tinham outra editora por que assinar. Ninguém estava a lançar aquele tipo de música antes da Earache.

Até agora qual considera ter sido a banda mais bem sucedida da Earache?
Os Morbid Angel são a banda mais bem sucedida que alguma vez assinámos.

Muitas pessoas devem desconhecer esse facto, mas a Earache não é só uma editora de Metal, certo? Você adora, por exemplo, música electrónica e já assinou actos nesta vertente anteriormente…
Eu lancei talvez cerca de dez discos de música electrónica entre 1996-99. Interessei-me pela vertente “techno gabber” mais dura deste género musical, nomeadamente, graças aos The Prodigy. Portanto, lançámos alguns discos nesse sentido, pois pensei que era tão extremo como o grindcore mas numa maneira diferente, mais moderna. É como comparar os D.O.A. com os Nasenbluten ou os Delta 9 com os Ultraviolence. Se olharmos para trás e compararmos, o tipo de trabalhos enunciei são muito parecidos com o disco de remisturas dos Agoraphobic Nosebleed que a Relapse Records lançou em 2007. Mas nós fizemo-lo em 1996, talvez muito cedo…

Ao mesmo tempo reconhece que essa atitude começou a criar alguns problemas em seu torno por parte dos fãs…
Sim, é verdade. Eu penso que os discos electrónicos eram como que um desprendimento do grindcore e do death metal que havíamos lançado até então. Eu pensava que as bandas apresentavam o mesmo tipo de extremismo e atitude, mas os fãs não estavam preparados para aceitar qualquer cultura techno ou DJ, mas está tudo bem. Aprendi a minha lição, com certeza. Não podemos tomar os fãs por garantidos. O que é certo é que a editora depende muito mais deles do que de mim.

Portanto, a opção de lançar discos dentro da vertente electrónica nada tinha a ver com a tentativa de equilibrar as contas da editora, certo?
A vertente mais agreste do “gabber” era muito pequena. Não servia, portanto, para sacarmos dinheiro.

Quais são, normalmente, as vossas expectativas em termos de vendas para os álbuns que lançam?
Esperamos vender 10.000 ou mais exemplares de cada trabalho que lançamos. Se os números ficarem abaixo de 5.000 temos que nos desligar da banda, pois não conseguimos sobreviver com vendas tão baixas.

Considera-se um patrão muito exigente?
Não, considero-me um patrão realista.

O papel da internet hoje em dia é uma questão central para a indústria discográfica. Afinal de contas, esta é um amigo ou inimigo das editoras?
É um amigo, com certeza. O Myspace.com foi a melhor coisa que alguma vez aconteceu à indústria musical!

Imagina um futuro onde resistirão as estruturas editoriais e os discos físicos?
Eu vislumbrei o futuro em 1999 quando fui em busca de sites de downloads de mp3 gratuitos e encontrei o mp3.com. Este site era fantástico porque possuía uma secção de mp3 de Metal com talvez 10.000 bandas. Todos eles eram legais e de borla! O problema era que quando seleccionavas uma letra do alfabeto, os resultados eram, por exemplo, de 75 páginas de bandas, com cerca de 10 bandas por página. Bom, isto eram muitos resultados. Eu cliquei em algumas bandas, mas estas soavam terrivelmente. Naquele momento senti que o verdadeiro propósito da Earache era ganhar a confiança dos fãs para que a deixassem escolher as melhores bandas para que as pessoas não tenham que “passar os olhos” por 10.000 bandas. Ninguém tem tempo para isso. A Earache será o guia, desempenhando uma espécie de papel de DJ numa estação de rádio. Portanto, trata-se de um processo selecção e da confiança que esta poderá suscitar nos fãs da editora que será importante para o nosso futuro, eu acho. A minha perspectiva é a de que daqui a cinco anos todo o tema criado será colocado na internet gratuita e legalmente para escuta, com todos os dispositivos vendidos, quer seja um PC, um telemóvel, um carro ou TV. Quando temos 50.000.000 temas para escolher ouvir, penso que precisamos mesmo de um guia.

Recentemente, a Earache deixou de imprimir e “queimar” discos promocionais - uma estratégia lógica para se reduzir alguns custos. Afinal de contas, o mp3 não é propriamente um inimigo da indústria discográfica, como se disse…
O mp3 é apenas um formato transiente. Toda a música será publicada gratuitamente dentro de cinco anos. A ideia de propriedade irá desvanecer-se.

Sendo que a música é cada vez mais difundida gratuitamente como é que as editoras garantem facturação? Ganham, por exemplo, alguma percentagem do que as bandas recebem por concertos?
A Earache não ganha dos concertos ao vivo. Facturamos sim, em grande número, com o itunes, toques de telemóveis e temas que são disponibilizados em vídeo-jogos. Contudo, os CD’s continuam a vender em bom número para nós, especialmente os vinis, uma vez que os verdadeiros metaleiros preferem ter o álbum original das bandas para colecção. Certificamo-nos que os discos valem o dinheiro que as pessoas dão por eles oferecendo faixas e DVD’s bónus, fazendo com que não caiam na tentação de “descarregar” o álbum de borla. Vendemos muita música directamente aos fãs através da internet, e-bay, da nossa webstore, etc.

É necessária uma vasta equipa para manter a Earache a funcionar?
A nossa equipa é composta por 16 pessoas

Qual consideraria o perfil perfeito para uma banda da Earache?
Nós estamos no negócio da música mas gostamos mais da música do que do negócio…

E qual a sua banda preferida?
Slayer!

Após 20 de actividade no negócio da música, sente algum cansaço?
Na verdade, não. Isto nem parece um trabalho para mim, mas sim um hobbie a longo prazo. Ainda sinto a energia e ambição para tentar lançar um disco de uma banda mega-famosa que venda muitos e muitos discos. Refiro-me a algo “grande” mesmo, como AC/DC ou Metallica. Isto é muito difícil e muitas editoras estão a tentar o mesmo e poucas têm sucesso. Pode soar a maluqueira, mas para mim a Earache continua a não ser bem sucedida enquanto não conseguir algo do género.

Em termos criativos qual é a sua opinião acerca da actual “cena” da música extrema? Sabemos que temos, por um lado, bandas em quantidade “astronómica”, mas muitas delas são apenas criadas por jovens que querem apenas seguir as pisadas dos seus ídolos sem terem uma real noção de como as coisas funcionam. Que conselhos darias a essas pessoas ainda mais sendo que recebe inúmeras demos por dia no seu escritório?
A originalidade parece ser um atributo há muito perdido por alguma razão… Actualmente, as bandas pretendem soar todas exactamente iguais, com a mesma produção, com as mesmas vozes, com o mesmo artwork, etc. Até eu não entendo esta mentalidade…

Hoje em dia não precisa de organizar espectáculos, trocar cassetes, produzir álbuns. Como é o dia-a-dia do Digby Pearson?
Provavelmente, é difícil às pessoas acreditar, mas eu faço hoje exactamente o que fazia há 20 anos atrás, com a excepção de que vivo numa casa grande e não num apartamento. Mas esta continua a abarrotar de CD’s e vinis por todo o lado! [risos]

Olhando agora para a altura em que ter uma editora não passava de um sonho para si…Comove-lhe de alguma maneira pensar em todo o esforço a que se sujeitou para chegar onde está?
Não sou, propriamente, uma pessoa nostálgica. Portanto, olhar fixamente para o passado não é coisa que faça. Estou mais orgulhoso de como a música em que a Earache foi pioneira a descobrir se tornou aceite e difundida à escala mundial, bem como a forma como “rasgou” através dos media mais populares, desde o livro “Choosing Death” até ao “Earache Extreme Metal Racing” para a PS2. Sentimo-nos estranhos por sermos aceites quase como qualquer tipo de música mainstream.

Que conselho daria às pessoas que querem seguir as suas pisadas?
Entreguem-se à internet e aos telemóveis; mudem-se para a Finlândia.

Nuno Costa

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