Sensivelmente dois anos depois, os veteranos Napalm Death regressam aos discos com um trabalho que não deve nada à brutalidade e legado que o colectivo britânico vem estabelecendo desde que lançou “Scum”, em 1987. Reforçam até a ideia de vitalidade inesgotável e, embora os 13 discos de originais, parecem ir a passos miúdos aproximando-se da perfeição em termos de composição quando parece que já exploraram tudo no seu contexto. “Time Waits For No Slave” vai, certamente, ferir algumas susceptibilidades e chocar moralidades no sentido de apelar à igualdade – uma atitude interventiva e beneficiária que assume novas proporções, desta vez na defesa dos direitos da mulher. Mark “Barney” Greenway [vocalista] explica a sua indignação e fala deste regresso em disco.
“Times For No Slave” já ecoa nos palcos. Como estão a ser as reacções nas vossas recentes aparições ao vivo?
Parece que está tudo a correr bem. Obviamente as pessoas não reconhecem os nossos novos temas quando os começamos a tocar, mas “Diktat” já está disponível no nosso site, por isso já existe alguma familiaridade com o tema. Temos estado a tocar também “On The Brink Of Extinction”. As pessoas não o conhecem de todo, mas, no geral, as músicas são maníacas, portanto, esquecem um pouco isso e não se preocupam muito sobre o que tratam.
O que passou recentemente pelas vossas cabeças para trocarem de instrumentos e gravarem o tema bónus “Omnipresent Knife In Your Back”?
Foi uma questão de pura diversão, improviso, espontaneidade, o que quiserem chamar. Foi apenas algo para tornar as nossas vidas interessantes! [risos]
Ainda não tive oportunidade de ouvir o tema. Pode afiançar-me de que não vou ficar assustado com o resultado?
Isto vai depender completamente da tua percepção e eu não posso, nem devo, influenciar a tua mente a gostar do tema. [risos] Se gostares, fixe. Se não… esta é a vida!
Manteve-se na voz por não conseguir tocar outro instrumento ou porque nenhum dos seus colegas consegue berrar como você?
Porque eu não consigo tocar nenhum instrumento, precisamente. Eu nunca me juntei à banda para ser músico, mas apenas para fazer parte dos Napalm Death. No que se refere a composição, até consigo imaginar material bastante bom [ou pelo menos acredito nisso], mas tentar transmitir este material da minha cabeça para os meus colegas é extremamente difícil. É por esta razão que nunca escrevi um tema completo dos Napalm Death, apenas ajudo a fazer alguns arranjos.
Com tantos anos na estrada, como se sente?
Não é pela quantidade de anos que estás na estrada ou pela idade que te sentes cansado. Tem mais a ver com a temperatura dentro dos recintos, ou se não estás a sentir-te tão bem naquele dia, ou se estás preocupado com assuntos familiares, etc. Nem toda a gente é talhada para fazer digressões pelo mundo. É muito bom em certos aspectos, claro, mas muito exigente em termos físicos e psicológicos.
Como fazem para afastar a monotonia enquanto estão na estrada?
Mantemo-nos mentalmente estimulados. Lemos muitos livros, passeamos pelos sítios por onde passamos… mas façam o que resultar melhor para vocês. Há uma tentação para dormir a maior parte do dia, mas isto não faz bem nenhum. Se tu dormes de mais dás por ti sem capacidade para fazer mais nada. Acabas por tornar-te um “tour zombie” e isto não soa nada como uma forma interessante de aproveitar a vida.
Pela vossa experiência já passaram por muitos países. Há algum que vos tenha marcado de forma especial?
A primeira vez que fomos à Rússia deixou um grande impacto em nós. Foram os últimos dias da União Soviética e as pessoas estavam como que um pouco “atordoadas” porque à noite elas teriam um ambiente comparativamente mais relaxado no qual podiam expressar-se melhor. Portanto, havia uma atmosfera interessante nas ruas. Tocámos duas noites lá num estádio de hóquei no gelo e, acreditem ou não, as pessoas ficaram malucas! Depois foi a África do Sul. Fomos a primeira banda do nosso género a tocar lá depois do Apartheid ter colapsado. Contudo, sentia-me nervoso por sermos os primeiros a lá ir, pois estava relutante a ir a qualquer sítio que pudesse estar ligado a este antigo regime fascista. No final, a ANC [Organização Nelson Mandela] ajudou o promotor do nosso espectáculo a colocar-nos em sítios que não estavam associados ao regime. Todos os espectáculos acabaram por correr bem, excepto no sentido em que alguns nativos africanos estavam muito chateados que uma banda estivesse no seu país a falar de igualdade e este tipo de coisas. Quando dei uma entrevista para a rádio nacional, eles ligaram para lá ameaçando-nos e dizendo para termos cuidado. Foi uma situação muito tensa, mas às vezes tens que aceitar encarar estas situações de cabeça erguida. O Japão também destacou-se de forma menos intensa e mais estética. Toda a gente fala da tecnologia e dos centros das cidades, mas isso torna-se previsível ao fim de algum tempo. Eu adorei foi o estilo antigo das vilas japonesas, fora das cidades. Elas pareceram-me muito bonitas e calmas.
E em relação às vezes que estiveram em Portugal?
Para ser sincero, a par do clima e da arte, a cultura não foi realmente algo a que tivesse prestado atenção. Isto porque o conceito de cultura pode ser muito divisado fazendo as pessoas agarrarem-se a coisas que, no fundo, não interessam tanto, tornando-se muito auto-protectoras e, portanto, algumas vezes hostis para outras culturas. Eu prefiro tratar os portugueses como trato quaisquer outras pessoas em qualquer outra parte. Pretendo apenas apreciar a beleza de Portugal e passar uns bons momentos. Para ser sincero, algumas pessoas que conheci no passado pareciam-me bastante hostis em relação aos espanhóis… Eu pensei: o que é que isso interessa? Mas eles estavam em minoria.
Que lugares criam em si uma forte vontade de conhecer? Os Açores, por exemplo?
Tenho que admitir: conheço os Açores mas não tenho uma percepção profunda do lugar. Alguém tinha que me educar neste sentido.
De que forma a vossa grande experiência como músicos contribuiu para o vosso 13º álbum?
Na verdade, o número de álbuns não me interessa. Nunca os conto – até pergunto às outras pessoas para me lembrarem quantos álbuns já lançámos. Seja como for, pretendemos é chegar à gravação de cada álbum com a melhor colecção possível de temas e pegar neles e adicionar novos “aromas” aqui e ali.
Como se sentiram com a “partida” do Jesse Pintado?
Naturalmente, foi algo muito desapontante que aconteceu, mas a vida continua. O Jesse prosseguiu o seu caminho mesmo quando os outros o avisavam de que o que estava a fazer podia magoá-lo verdadeiramente. De uma certa maneira respeito-o por isso, embora fosse algo que eu não faria. Ele fará sempre parte da história dos Napalm Death e isso não será esquecido. Mas aqui e neste momento, temos que seguir em frente.
Existe alguma dedicatória a ele neste novo álbum?
Não, não havia mais nada que precisasse ser dito. Ele está nas nossas memórias e estará sempre lá.
No geral, “Time Awaits For No Slave” é um álbum “feminista”. Muitas pessoas podiam não esperar um disco dessa sensibilidade vindo de vocês, mas bem vistas as coisas os Napalm Death sempre se debateram pelos direitos das pessoas e até dos animais.
Chamar este álbum de “feminista” pode ser muito restritivo. Na verdade ele abrange os direitos das mulheres, em geral. Sem dúvida que se têm dado passos muito importantes no sentido da igualdade, mas em certas áreas e com certas pessoas espera-se que as mulheres abracem a sua tarefa de mães como robots. É seu direito escolherem se entram nisso ou não. Isto vai para além da sensibilidade. Trata-se de um simples e fundamental reconhecimento de que as pessoas podem fazer o que escolheram fazer e não serem forçadas a certas coisas por uma política moral ignorante ou por aqueles que querem controlar os seus actos.
Suponho que seja a favor da despenalização do aborto. Sabe que apenas há dois anos Portugal aprovou uma lei que dá liberdade às mulheres para abortarem até um certo período de gestação? O que pode isso ter positivo, já que vive num país que rege-se por essa lei há vários anos?
Não sabia disso em relação a Portugal. O que posso dizer é que quando um país é predominantemente católico não me surpreende que isso aconteça. Os aspectos positivos é, primeiro, como temos estado a falar, de que este é um passo crucial em termos de liberdade. E em segundo lugar, esta lei vai reduzir em grande número os abortos ilegais perigosos, em que as mulheres que estão desesperadas vão a qualquer lado para se livrarem de uma gravidez indesejada.
Que outros problemas vê que afectam as mulheres nos dias de hoje?
A religião, claro, é uma grande barreira para as mulheres. Até nas supostas “leves” interpretações de fé, as mulheres são tratadas como objectos e parecem estar sempre em segundo lugar em relação ao homem. Isto é completamente inaceitável aos meus olhos. Por outro lado, em algumas pessoas encontras uma forma de pensamento que parece gerar os princípios para a base da criação da maioria dos preconceitos que existem hoje no mundo – incluindo os que estão contra a mulher.
Neste momento estão envolvidos numa União que luta pelos direitos dos músicos. Como é que funciona no fundo?
Como qualquer outra União – de pedreiros, padeiros, condutores – só que se dirige aos músicos a todos os níveis. Esta protege os seus direitos de todas as formas que possam imaginar, desde lidar com promotores de espectáculos, a contractos, etc. Como em qualquer outra classe trabalhadora, os músicos podem ser explorados e vidas podem ser arruinadas. Também fazemos coisas como levar música aos desfavorecidos e promover uma maior igualdade racial, sexual, etc.
Continua a ser entusiasmante escrever músicas para os Napalm Death? Ou seja, o vosso som continua fiel às suas origens no sentido em que nunca houve um corte abrupto – nunca se tornaram melódicos ou progressivos, por exemplo. Alguma vez sentiram que podia ser interessante tentar algo completamente novo, mesmo que isso chocasse com as expectativas do público?
Certamente que já experimentámos e progredimos ao longo dos anos e as pessoas dizem-nos que não há dois álbuns iguais de Napalm Death. Portanto, neste sentido experimentámos um pouco outras ramificações. Contudo, no coração da banda – e de mim próprio – nós gravitamos à volta do rápido e do pesado. Foi por isso que me juntei aos Napalm Death e é isso que pessoalmente espero que seja sempre o cerne da questão. Não vejo sentido em recuarmos, como alguns gostariam que fizéssemos, e tentarmos recrear algo como o “From Enslavement To Obliteration”. Pese embora seja um clássico, esta é uma rota fácil e previsível de seguirmos e que estaria a enganar-nos e às pessoas que nos ouvem. Suponho que fazer um álbum mais melódico não está no nosso sangue.
Contudo, parece que depois um álbum tão violento como “Smear Campaign” puseram um pouco o pé no travão...
Acho que “Time Waits For No Slave” continua a ser um álbum muito violento sonicamente. Muitos dos seus temas continuam muito rápidos. A diferença é que trabalhámos algumas das nossas influências mais “alternativas” e que sempre estiveram lá – como Swans e Sonic Youth – em diferentes contextos e algumas vezes nas partes muito rápidas. Acabou por dar resultados muito interessantes. Gosto muito deste álbum neste ponto e ele ainda tem muito tempo para crescer em mim.
Com o passar dos anos sente e vê as coisas de maneira muito diferente em relação à banda? Eventualmente, a vida no vosso backstage ou na tourbus é mais contida…
Como disse anteriormente, eu não me limito apenas porque há um processo de envelhecimento. Contida? Não sei bem a que se refere. Continuamos a fazer todo o tipo de tournées, desde partilhar carrinhas a conduzir horas a fio entre países… Tudo depende das necessidades e dos recursos dos países para que estamos a viajar. Aceitamos perfeitamente que assim seja.
Normalmente, os Napalm Death são um “habitué” nos palcos portugueses. Consegue prever um regresso para breve?
Bom, estamos a tentar agendar uma grande digressão europeia há algum tempo. Penso que nos verão em Portugal no final de 2009, a menos que apareça algum convite antes. Como sempre, agradeço a todos em Portugal pelo vosso sólido apoio, embora nunca tomemos as coisas por garantidas. Paz e felicidades para todos.
Nuno Costa
1 comment:
Muito bom! thumbs up!
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